Normatização das Ações em Cecco

 
Abaixo esta a transcrição do documento mimiografado de 1992. Se quiser ter acesso ao mesmo em PDF  clique AQUI

NORMATIZAÇÃO DAS AÇÕES NOS CENTROS
DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVAS MUNICIPAIS
Prefeitura do Município de São Paulo
Secretaria Municipal de Saúde
Programa de Saúde Mental
1992
Coordenação dos Grupos de Trabalho: Centros de Convivência e Cooperativa
G.T. Intersecretarial - Cultura Cidadania e Saúde Mental
Isabel Cristina Lopes
Composição dos Grupos de Trabalho
Representantes dos Cecco's , Representantes de Secretarias e Órgãos Municipais
Reflexões iniciais, Embasamento Teórico. Considerações Técnicas e Redação Final
Isabel Cristina Lopes
Discussão e Elaboração das Normatizações Indicativas aos Cecco's
Grupo de Trabalho Centros de Convivência e Cooperativa
Digitação
Beatriz helena de Castro LLoret Pardos
Montagem, Composição. Diagramação e Produção Visual
LP Engenheiros Consultores Ltda - Tel. 813.7787
Colaboraram na Produção deste trabalho:
Representantes dos Cecco's:
. Praça Roosevelt
. Eduardo Leite - "Bacuri"
. Parque Previdência
. CEE V. Guarani
. Parque Ibirapuera
. CEE Artur Friendereich
. Cohab I Anchieta
. Parque do Carmo
. São Mateus*
. Parque Ecológico Chico Mendes
* Em processo inicial de implantação
CDM Ermelino Matarazzo Parque Santa Amélia CEE Freguesia do Ó Brasilândia
Parque São Domingos Parque Anhanguera* Interlagos
Parque Guarapiranga Parque Santo Dias
* Em processo inicial de implantação
Composição do Grupo de Trabalho Intersecretarial Cultura, Cidadania e Saúde Men­tal Portaria 112/92 (cujo relatório referente a Centro de Convivência e Cooperativa foi anexado às Normatizações)
Representantes de Secretarias e Órgão Municipais
. Secretaria Municipal da Saúde (Coordenação)                                    SMS
. Secretaria Municipal do Abastecimento                                               SEMAB
. Secretaria Municipal da Cultura                                                           SMC
. Secretaria Municipal da Educação                                                        SME
. Secretaria Municipal de Esportes, Turismo e Lazer                           SEME
. Secretaria Municipal de Habitação                                                      SEHAB
. Secretaria de Serviços e Obras                                                             SSO
. Secretaria Municipal de Transportes                                                    SMT
. Companhia de Engenharia e Tráfego                                                    CET
. Companhia de Habitação                                                                      COHAB
.  Companhia Municipal de Transportes Coletivos                               CMTC
.  Corpo Municipal de Voluntários                                                          CMV
. Guarda Civil Metropolitana                                                                 GCM

Agradecimentos Especiais a colaboração direta ou indireta no estímulo incentivador a invenção de Utopias:
Às Personalidades
.  Félix Guatarri, Suely Rolnik, Manuel Desviai, Gregório Kazi, Mario Tommasini, Marilena de Souza Chata, Paulo Freire, José Américo Peçanha, Sonia Lins, Nacile Daud Jr., Cecí­lia Vasconcelos Guaraná, Soraia Inella Gazal, Marilze Terezinha de Araújo, Paulo Gianini, Rena­ta Elza Stark, Boaventura Pereira, Marco Antonio C. Ferreira, Caio Magri, Savério Lavoratto, João de Deus, Paulo Amarante, Domingos Sávio do Nascimento, Lúcio Gregori.

Às Instituições:
. Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)
. Ministério da Saúde - Coordenação de Saúde Mental
. Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP
Introdução
Este documento servirá de referência normativa para os Centros de Convivência e Cooperativa. As normatizações e reflexões aqui contidas resultaram de um longo processo de discussão, em forma de grupo de trabalho, que envolveu representantes de todos os Centros de Convivência e Cooperativa, o Colegiado de Saúde Mental, o CTA da Secretaria Municipal de Saúde e o Grupo de trabalho Intersecretarial  “Cultura Cidadania e Saúde Mental” portaria 112/92 do Diário Oficial do Município de 31/03/1992).
É importante assinalar que tais contribuições técnicas normativas, não se dão conta do serviço prestado. Esta se garante pelo investimento em recursos (materiais, físicos, humanos) pelo preparo técnico dos profissionais em consonância  com a realidade e as diversas demandas territoriais , e pelo conhecimento e aplicação dos princípios políticos que regem as ações de saúde mental antimanicomiais.

REFLEXÕES INICIAIS E EMBASAMENTO TEÓRICO

“Pouco importa que se trate ou não de utopia; temos aí um processo bem real de luta: a vida como objetivo político foi tomada ao pé da letra e voltada contra o sistema que tentava Controlá-la.
Foi à vida, muito mais do que o direito, que se tomou o objeto das lutas políticas, ainda que estas últimas se formulem através do direito.
O “direito” à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessidades, o “direito”, acima de todas as opressões ou “ alienações”, de encontrar o que se é e tudo o que se pode ser, esse “direito” tão incompreensível para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política de todos esses novos procedimentos de poder que, por sua vez, também não fazem parte do direito tradicional da soberania. “
Michel Foulcault
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 15. ed. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

“Os Centros de Convivência e Cooperativa não transformarão o mundo mas o mundo só se transformara com projetos deste tipo”.
Paulo Freire

O SENTIDO DO MANICOMIAL

Na perspectiva de defesa do direito à vida se inscreve a luta antimanicomial na política Oficial da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.
Um compromisso de enfrentamento e substituição de modelos e contratos de relações marcadas pela violência, a alienação, o estigma, a marginalização e a segregação, ao qual denominamos Cultura Manicomial.
A Cultura Manicomial características das instituições totais e presentes na estrutura de funcionamento, na filosofia e na qualidade das relações de muitas escolas, fábricas, unidades de saúde, creches, famílias.... e emblematicamente tendo como representante “mor” o Hospital Psiquiátrico, se instala negando a expressão da subjetividade, negligenciando a manifestação de desejos, disciplinando singularidades e normatizando desigualdades. Tecendo direta ou indiretamente o impeditivo ao exercício de cidadania.
Determinante vital desta cultura manicomial está o cenário político-ideológico-econômico-social que através das más condições de vida ( saneamento, moradia, alimentação, transporte, educação...) e das más condições de trabalho (turnos, pressão de chefia, exposição a produtos tóxicos...) concorre na produção social do sofrimento psíquico.
Mas, é justamente no hiato da vida desta produção violenta de sofrimento que as relações humanas se deterioram e se reparam dando folego aos indivíduos para questionarem e se reconquistarem cidadãos.
“Uma Instituição Total, segundo a definição de Goffman, pode ser considerada como o lugar onde um grupo de pessoas é condicionado por outras pessoas, sem ter a menor possibilidade de escolher o seu modo de viver. Fazer parte de uma instituição total significa estar a mercê do controle, do julgamento e dos planos dos outros, sem que o interessado possa intervir para modificar o andamento e o sentido da instituição.
No caso da Instituição total da espécie de um hospital psiquiátrico, a função de guarda do pessoal encarregado do tratamento condiciona, em todos os níveis, o grupo de internados, os quais são obrigados a considerar as medidas de proteção contra eles tomadas como único significado de sua existência. A única identificação que este tipo de instituição total oferece aos enfermos é a necessidade das pessoas não se defenderem contra eles. Isso significa que o doente é levado a se identificar com um estereótipo bem definido na estrutura física e psicológica da instituição, o de um internado, “do qual as pessoas sãs se defendem”. Além desse caráter coercitivo de natureza defensiva, a instituição psiquiátrica total apresenta uma aproblematicidade absoluta em um dos pólos de sua realidade (ao mesmo tempo causa e efeito de toda instituição coercitiva). O enfermo logo que internado no hospital, é definido como doente, e todas as suas ações, participações e reações são interpretadas e explicitadas em termos de doença. Logo, a vida institucional se baseia sobre a negação de valores aprioristicamente definida para o internado, que é considerado irreversivelmente objetivado pela doença, o que justifica, no plano pratico institucional, a relação objetivante com ele instaurada.....”
Franco Basaglia, A Instituição Negada, 1985

“Uma imensa reconstrução das engrenagens sociais é necessária para  fazer  face aos destroços do Capitalismo Mundial Integrado. Só que esta reconstrução passa menos por reformas de cúpula, leis, decretos, programas burocráticos do que pela promoção de praticas inovadoras, pela disseminação de experiências alternativas, centradas no respeito a singularidade e no trabalho permanente de produção de subjetividade, que vai adquirindo autonomia e ao mesmo tempo se articulando ao resto da sociedade. Dar lugar para as brutais desterritorialização da psique e do socius, em que consistem os fantasmas de violência, pode conduzir não a uma sublimação miraculosa, mas a reconversões de agenciamentos que transbordam por todos os lados o corpo, o Ego, o Individuo.”
Félix Guatarri, As três Ecologias, 1990.

“Existem fenômenos  que são considerados normais ou anormais segundo a profissão, a cultura, a renda, as possibilidades terapêuticas: e a sociedade transforma essas avaliações em motivo de exclusão ou de reprovação. Porém, fazer coincidir anormalidade e patologia é freqüentemente uma arbitrariedade” (....)
“A avaliação mistura, portanto critérios objetivos com o comportamento, com as reações, com as ações desenvolvidas pela diversidade ou pelo desvio. Isto é típico de qualquer espécie vivente e de toda historia humana, mas nas sociedades desenvolvidas sãos sempre maiores as reações e as interações institucionais, que se ligam a economia, ao Estado, à cultura, ao poder. Mas a característica social das pessoas  é ser pobre marginal  é a probabilidade  de que estas pessoas sejam definidas como anormais”.
Giovanni, Berlinger, A Doença, 1998
Caso há interesse segue link para Download do livro A Doença: 
http://www.cebes.org.br/internaEditoria.asp?idConteudo=1421&idSubCategoria=22

NOVOS SIGNOS MANICOMIAIS

Comprometidos com a construção desta cidadania a SMS vêm desenvolvido um exaustivo trabalho que pretende alterar radicalmente o modelo hegemônico de atenção aos que sofrem mentalmente. Este modelo hegemônico marcado pelo enclausuramento, o eletrochoque, enquanto terapêutica de punição, a super-sedação, as longas internações, a continência pela ação de camisas de força e celas fortes.
Apesar da natureza de tais praticas ser essencialmente politico-ideológica por pretender “preservar” a sociedade de seus “ditos loucos” que denunciam através da loucura-sofrimento, parte dos conflitos e contradições desta mesma sociedade, ainda nos deparamos com quem as justifiquem fundamentando-as através do discurso científico.
Entretanto se concebermos o sentido do manicomial para além dos hospitais psiquiátricos, a construção de uma nova rede de serviços, conceitos e relações de atenção em saúde mental antimanicomial, deverá cuidar para não protagonizar outros signos manicomiais como:
  • ·         A camisa de forças burocráticas;
  • ·         A “desumanização” no acesso aos serviços;
  • ·         A normatização a serviço do “empurra-demanda”;
  • ·         A “vaidade” na ação individualizada à transdisciplinariedade;
  • ·         A negação da espiral de co-responsabilidade (guetos protegidos)à espaços gerais de saúde (convivência heterogênea contra-estigmatizante);
  • ·         O desejo do profissional à necessidade da comunidade;
  • ·         O perfil do que bate a porta ao perfil epidemiológico e social da realidade territorial-local;
  • ·         A negação da determinação social do sofrimento mental;
  • ·         O modelo médico ao modelo de saúde pública;
  • ·         A negação da subjetividade e do sofrimento psicossomático;
  • ·         A objetivação pela doença (paciente) à compreensão do outro enquamto poder de troca(usuário).
  • ·         A insensibilidade na escuta e decodificação do pedido-desejo-necessidade “barrados” no balcão-porta.
  • ·         A negação do fenômeno saúde-doença enquanto processo.
  • ·         A ação guiada pelo quadro nosológico à expressão- intensidade na manifestação do sofrimento;
  • ·         O não investimento e o não reconhecimento do vinculo enquanto função de vida.
  • ·         O “enclausuramento” no equipamento de profissionais sem asas e tentáculos para expiarem pelas frestas das “portas abetas”: a rua, a comunidade, os enclausurados em seus domicílios.
  • ·         A cronificação em leituras apriorísticas à disponibilidade em se reciclar com os livros, os movimentos populares, o transdisciplinar, o usuário;
  • ·         A desautorização em criar-recriar novas senhas e abordagens....
A REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE SÃO PAULO.

A ‘“aventura” consequente de rastrear o território e reconhece-lo a partir de seu próprio referencial, em consonância com a realidade da produção científica a serviço do homem, e o cuidado vigilante frente aos novos signos manicomiais, irão representar o contorno da nova rede de atenção à saúde mental na cidade de São Paulo.
Sob a influência da Reforma sanitária, das conferencias nacionais de saúde e de saúde mental, as iniciativas do legislativo durante e após a constituinte a nível federal e estadual, as experiências de trabalhadores em saúde mental na rede pública, as pesquisas e produções acadêmicas a nível nacional e internacional, a criatividade de muitos profissionais aliados a população organizada na “reinvenção do novo”, sob o referendo das organizações: Pan-americana de Saúde, Mundial de Saúde e Nações Unidas em torno da questão da Saúde Mental, vai se configurando o novo modelo de Atenção à Saúde mental da cidade de São Paulo, subsídio concreto para a efetivação da Reforma psiquiátrica, ou melhor dizendo, da Reforma em Saúde Mental Brasileira.
Assim a Reforma em Saúde Mental deverá florescer dos movimentos de massa buscando refletir as mesmas considerações colocadas na Reforma sanitária como sugere o texto:

“A Reforma Sanitária não poderá ser pensada como meras modificações técnico-administrativas e organizacionais. Mas, sim, precisa dar posição central a temas como a democratização do Estado e da formulação de um projeto contra-hegemônico (no que a questão da consciência sanitária e da ampliação do conceito de “direito à saúde” colocam-se como pontos vitais).”
Jaime A. Oliveira e outros, Demandas Populares,
Políticas Publicas e Saúde, 1989

Neste caminho conjunto das reformulações em saúde publica os avanços na constituição federal e as indicações das conferências nacionais de saúde apontam para a formulação de um Sistema Único de Saúde sob o gerenciamento do município concebido sob pressupostos imprescindíveis a Reforma em Saúde Mental, como a equidade, a Universalidade, a Regionalização, a Integralidade das ações. Os parâmetros deverão ser epidemiológicos e sociais, não mais tutelados pelo modelo médico e com parceria da população organizada na construção do novo sistema.

“Entretanto, enquanto ampliação do conceito de direito à saúde mental nos deparamos com a necessidade de reformulação profunda de toda legislação civil e penal em vigor, que sustenta a discriminação e a exclusão do doente mental, fundamentada nas noções de incapacidade civil absoluta e na periculosidade como inerente a própria natureza da doença mental (...). Associada à inexistência de cidadania do doente mental e a consequente ação tuteladora do Estado, vê-se o desenvolvimento de uma política privatizante que permite a disseminação de um dos maiores parques asilares do mundo, entre hospitais psiquiátricos particulares e instituições publicas existentes, consolidando um modelo assistencial asilar completamente falido, excludente, discriminatório, perverso e corrupto.”
Francisco Drumond Marcondes de Moura Neto e
Outros,  Saúde Mental e Cidadania, 1987
Considerando os pressupostos do Sistema Único de Saúde no cenário real da politica de Saúde Mental e os entraves legislativos, se inicia ao mesmo tempo um resgate histórico politico e uma reformulação na abordagem assistencial do sofrimento mental. A saber:
  • ·         O investimento na Unidade de Saúde Mental em Hospitais Geral Público, a inclusão dos excluídos, ou seja, fundamentalmente a “inclusão” da subjetividade e do porta-voz mais caricato da discriminação o “dito” louco/doente mental, através da dinâmica metodológica-institucional do Hospital-aberto (a inserção da subjetividade, a participação do acompanhante, o valor terapêutico da multidisciplinariedade...);
  • ·         A Enfermaria e a Emergência de Saúde Mental em hospital Geral, investimento na garantia de internação sem asilamento, violência, perda de direitos, o respeito ao sujeito, a família e a manifestação do sofrimento:
  • ·          O investimento nas equipes de Referencia em Saúde Mental em Unidades Básicas de Saúde para ações ambulatoriais em conjunto com as ações gerais de saúde recuperando a integralidade, universalidade e fundamentalmente a equidade dos serviços e da abordagem verdadeiramente holística frente ao fenômeno: sofrimento humano; Abrindo as portas para a “loucura” num espaço mais geral e diversificado de saúde;
  • ·         A Criação de Unidades de Convivência Terapêutica Intensiva (os Hospitais dia em saúde Mental), espaço de suporte às necessidades de intervenções intensivas e contínuas em liberdade e em co-responsabilidade com a família e a comunidade;
  • ·         A perspectiva de investimento em Lares-Abrigados para fora dos muros dos Hospícios, resposta aos sobreviventes do sistema manicomial, desprovidos de laços familiares e com chances de reestruturação de vida;
  • ·         E finalmente a invenção de espaços de convivência e núcleos de trabalho cooperado que reinventem consígnias e contratos não mais sob a égide da doença e da “tutela”, os Centros de Convivência e Cooperativa.
Utopia??


Centro de Convivência e Cooperativa
“ Pouco importa que se trate ou não de utopia, temos aí um processo bem real de luta (....). (Michel Foucault). De luta pela vida, pela cidadania, pela contra hegemonia com responsabilidade terapêutica e sustentação técnica.

“Por todos os lados impõem-se espécies de invólucros neurolépticos para evitar precisamente qualquer singularidade intrusiva. É preciso mais uma vez, invocar a história! No mínimo pelo fato de que corremos o risco de não mais haver historia humana se a humanidade não reassumir a si mesma radicalmente. Por todos os meios possíveis, trata-se de conjurar o crescimento entrópico da subjetividade dominante. Ao invés de ficar perpetuamente ao sabor da falaciosa de “challenges” econômicos, trata-se de se reapropriar de Universos de valor no seio dos quais processos de singularização poderão reencontrar consistência. Novas práticas de si na relação com o outro, com o estrangeiro, como o estranho: todo um programa que parecerá bem distante das urgências do momento! E, no entanto, e exatamente na articulação da subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores da nossa época(...).
(...) A subjetividade através das chaves transversais, se instaura ao mesmo tempo no mundo do meio ambiente, dos grandes agenciamentos sociais e institucionais e, simetricamente, no seio das paisagens e dos fantasmas que habitem as mais intimas esferas do individuo. A Reconquista de um grau de autonomia criativa, num campo particular invoca outras reconquistas em outros campos. Assim, toda uma catalise da retomada de confiança da humanidade em si mesma está para ser forjada passo a passo e, às vezes, a banir dos meios, os mais minúsculos.”
Félix Guatarri

Parafraseando Guatarri: Meios minúsculos tal como se pretende, utópica ou não, esta contínua e coletiva invenção-(re)-invenção de protagonizar a vida, que denominados Centro de Convivência e Cooperativa.

Histórico – Concepção – Nascimento

Em tempos de mudança velhas terminologias, anunciadoras de novas posturas, se apressam em participar de nosso vocabulário apontando na direção de reinvenções, reorganizações, reformas, a partir de desconstruções e criações sustentadas por estudos, pesquisas, experiências de valor reconhecido que vêm embasar tais terminologias, mas fundamentalmente corroborando a capacidade de empatia, vinculo e feeling de muitos “profissionais vocacionados”, diante da manifestação de vida, seja ela humana ou não.

Coerente com este contexto encontramos alguns pontos programáticos das diretrizes de Saúde Mental do Programa de Governo da prefeita Luiza Erundina que vêm referendando historicamente a abordagem de novas abordagens:


“Priorizar o espaço de discussão junto á população nos bairros e às organizações populares e sindicais, visando desmitificar a loucura e o transtorno mental na reflexão de seus determinantes sociais;
As praticas em Saúde Mental deverão favorecer a humanização das relações homem-homem, homem-natureza e homem-sociedade; impedindo que a medicalização e a técnica oprimida mortifique o individuo;
Reconhecer e valorizar os saberes e praticas culturais populares, como formas de equilíbrio social, relativizando o saber médico-psicológico;
Favorecer através de suporte técnico e financeiro, a criação de espaços culturais, educativos e da integração social auto-geridas pela população que atenda as necessidades dos diversos grupos que se caracterizam por diferentes graus de deficiência física ou mental”.
Pontos do Programa de Governo Democrático e
Popular para a Cidade de São Paulo
-Área de Saúde Mental - 1988
Necessários se fizeram a invenção de abordagens e o pacto com um conceber de homem em movimento em relação a dinâmica com o próprio homem, com a natureza e com a sociedade. Relação “espiralada e operativa” como nos inspira a teoria de Pichon Riviere, afim de promoverem o surgimento de um novo espaço, um novo setting de apreensão e resposta holística ao sofrimento humano: os centros de convivência e cooperativas.

A escolha preferencial pelos espaços públicos por excelência, ou seja aqueles onde o acesso teoricamente é livre e aberto à necessidades menos estruturadas e portanto menos impeditivo à entrada, como os Parques Municipais, as Praças, os Centros Esportivos e Desportivos, os Centros Comunitários da Cohab,....Públicos também enquanto conceito de apropriação da população “o não privativo”.

Sendo parte da perspectiva de ação dos Ceccos a alteração de perfil do usuário destes espaços públicos, tornando-o mais fiel  a características da heterogeneidade do publico-população,  e mais, tendo por perspectiva resgatar a vocação original destes espaços e explorá-la, de forma a potencializar o seu uso diário e introduzindo uma vocação aliada e não concorrente: a terapêutica.
Assim a apropriação da coisa publica favorece um dado reconhecimento, a consciência das similaridades, das diversidades, a dialética da relação do homem com este micro-meio questionando e fazendo analogias, estimulando a analise e síntese.

(p.e)- “ O fino riacho que corta delicadamente a pequena reserva de Mata Atlântica num parque municipal tombado. Reserva esta preservada e vigiada para evitar meninos predadores que se aventuram entre as arvores centenárias e descuidadamente pisam no riacho e levam consigo dejetos fecais que ali “preservados” têm passagem livre. No entanto, não são desconhecidos destes pequenos pés, que conhecem intimamente seu percurso, que não tão delicadamente cortam o quintal, quando não o próprio chão do barraco, onde a noite, estes mesmos meninos, descansam o corpo exausto de driblar as normas e as leis do proibido...!”
Este movimento chamaremos de processo de convivência onde o individuo se reconhece e se estranha, onde troca de lugar e conquista novos ou velhos lugares... um processo com a natureza não só humana, instrumentalizando o exercício de conviver, favorecendo um “se flagrar”, ampliando repertórios, compreensões e potencialidades individual ou coletivamente.

Este conviver crítico vai desnudando conceitos como o da homogeneidade e da desigualdade, e do da diferença e o da igualdade. Pois bem o que se objetiva é esta identidade de  convivência questionadora e coerente com a amostra da realidade da espécie humana, não natural, mas real, de diferença de acesso a bens e serviços, de desenvolvimento, de acesso à saúde e de consequentemente, forma de adoecer e morrer.

Pensar em diferenças pressupõe pensar em origem destas, para além do circunscrito no individuo, em seus objetos internos, na relação familiar, mas pensar cuidadosamente na determinação social destas diferenças e na contrapartida reativa desta mesma matriz-social, impulsionando a culpabilização e a expiação, metamorfoseando diferenças em desigualdades sociais e subjetivas.

“as diferenças e as assimetrias sociais e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades e, essas, em relação de hierarquia, mando e obediência(...) Os indivíduos se distribuem imediatamente em superiores e inferiores, ainda que alguém superior numa relação possa tornar-se inferior em outra, dependendo dos códigos de hierarquização que regem as relações sociais e pessoais. Todas as relações tomam a forma de dependência da tutela, da concessão, da autoridade e do favor, fazendo da violência simbólica a regra da vida social e cultural. Violência tanto maior porque o invisível sob o paternalismo e o clientelismo, considerados naturais e, por vezes, exaltados como qualidades positivas do caráter nacional”
Marilena Chaui, Conformismo e Resistência:
Aspectos da cultura Popular no Brasil, 1989.

“... As TrêsEcologias deveriam ser concebidas como sendo da alçada de uma disciplina comum ético-estética e, ao mesmo tempo, como distantes uma das outras do ponto de vista das praticas que as caracterizam. Seus registros são da alçada do que chamei heterogênese, isto é, processo contínuo de re-singularização. Os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes”.

Assim Caberá ao Cecco possibilitar o encontro dos diferentes, das assimetrias sejam elas expressos na relação com a natureza, com o fenômeno do sofrimento humano, mental ou não, expressas na chance de vida de determinados grupos sociais, no resultado da relação dominador-dominado, que concorrem para delinear-sombrear uma “ecologia da subjetividade”. Onde o se perceber diferente poderá remeter a noção do estrangeiro, potencial interno desconhecido/potencial do outro reconhecido, tecendo novas relações que preservem a vida e recriem papeis e direitos, num contínuo crítico questionamento do desejo, da cidadania.

Este exercício de convivência dos tidos diferentes, estruturado sob o eixo da solidariedade e da não segregação dará contorno a uma abordagem em Saúde Mental de ruptura com a cultura manicomial para a efetivação de contratos sociais anti-discriminatórios e anti-paternalistas, para nesta fratura conquistar relações democráticas e “desalienantes”.

Giovanni Berlinguer reflete:
                “A presença de um doente em casa pode agregar ou desagregar a unidade familiar, fortalecer ou destruir uma pequena comunidade. A presença de uma criança deficiente na escola pode torná-la alvo do embaraço de todos, pode fornecer um álibi para as disfunções educativas de cada dia, pode criar efetivos embaraços se há falta de uma pedagogia e de uma assistência especializada; mas pode também, fortalecer o grupo, aumentar a capacidade de reconhecer e aceitar “os diferentes”, ser um estímulo educativo no plano cientifico e moral(....)
(...) O movimento coletivo pela saúde pode ser um dos estímulos mais fortes às modificações daqueles fatores que não são somente morbígenos, mas também alienantes, ou de alguma forma criaram obstáculos ao desenvolvimento da comunidade (...) afastar os efeitos, segregar os doentes ou até rotulá-los como perigosos para a coletividade impede de dar atenção aquele que é um dos aspectos mais interessantes da doença: o sinal, o fato de que o sofrimento individual é frequentemente a manifestação do coletivo”.
As misturas das pessoas e de suas diferentes chances de vida nos Cecco’s deverá se fazer com orientação e supervisão técnica, visto que o objetivo não é meramente se juntarem em suas mazelas comuns ou parecidas, pressupostos da formação de guetos. Antes e fundamentalmente, a heterogeneidade dos grupos deverá objetivar a aglutinação pela tarefa, e será quem trará a inscrição da identidade grupal.

A diferença enquanto desigualdade, expressa no quadro nosológico e na ação descontextualizada e medicalizante, marca da discriminação e dos resquícios da cultura eugenista, que pressupõe segregação e extermínio através fundamentalmente da realização de experiências humanas nos porões institucionais, não deverá banisar a formação de grupos o que destinaria a uma identidade estigmatizante e reprodutora de modelos disciplinadores de repressão e segregação.

A tarefa por sua vez também inovará com a consignia da produção conjunta, da capacidade criativa, do prazer e da ousadia em fazer o novo, em arriscar contratos de barganha afetiva, inicialmente, entre os indivíduos e suas histórias muito diferentes, para barganhas sociais mais amplas, sob a escuta e a colaboração da pontuação técnica, visando à costura necessária para o outro lançar-se, dando substrato a uma ação verdadeiramente terapêutica e não aventureira. Onde o setting e contrato também se conjuguem diferenciados no processo.

A linguagem, enquanto facilitadora de expressão artística, musical, teatral, gestual, esportiva, literária, artesanal, corporal... deverá proporcionar um recriar de conceitos estéticos, e terapeuticamente concorrer com uma visão diferenciada de si e do outro, de perspectivas e potencialidades, de visão de mundo e projetos de vida. Propondo uma relação também modificada com a “doença” num reintroduzir na sociedade de seus excluídos.

Possibilitando emergir o conceito vivo do “diferente” ao desviante e ao anormal, reinscrevendo a “subjetividade da ressingularização” e o conceito de “limitação” em suas exigências de diferenciação, em nome de uma sobrevivência da humanidade, repudiando a morte lenta do “estigma profetizante”: desigualdade-tutelada.

Assim todos (noção de heterogeneidade) poderão se consorciar em atividades expressivas destas (re)inscrições, o “a priori” na maior parte das vezes deverá ser “o desejo” individual e/ou coletivo associado a ousadia em manifestá-lo.
“Eu viúva, dona de casa, velha, nervosa e enferrujada! Olhava para aquela oficina de teatro no Centro de Convivência, uma mistura, uma confusão” (...) até que arrisquei e me descobri nova, louca, solta, até entrevista pra jornal eu dei, representei em praça pública e de forma inesquecível dançamos no palco do Teatro Municipal...
(....) minha idade hoje??
- Eu Alice! Do Movimento”
Fragmentos e Interpretação do discurso de
Uma usuária de Cecco.

"- é necessário organizar a sociedade de modo a integrar  as “anormalidades” criando obstáculos à tendência a defini-las sempre como doenças, com as consequentes discriminações e prejuízos, como aconteceu com frequência com as internações nos hospícios.
A tendência à integração é tanto mais praticável quanto menos a sociedade é competitiva. Quando se tornar norma de vida a concorrência desumana por qualquer meio, e tendência será inevitavelmente aceitar no trabalho, na escola, na coletividade somente os  indivíduos dotados de qualidades particulares chegar-se-á a alargar o circulo das pessoas consideradas deslocadas ou anormais, e a encaminhá-las, porém ao beco sem saída da internação forçada e do abandono(....)
(...) é valido considerar  as doenças como diferenças, não como desvios. Já que nem todas as anormalidades são doenças, seria errôneo afirmar o contrário: que doenças sejam desprovidas de objetividade e de substrato biológico ou psíquico. Por outro lado, é necessário reconhecer as variações do equilíbrio que podem tornar-se nocivos, utilizando e somando os conhecimentos científicos, e reduzir paralelamente, que sejam as causas de tais anormalidades, quer seja a amplitude do conceito de desvio quando a medida cultural e social se sobrepõe à  clinica.”
Giovanni Berlinger

Nos lancemos, portanto, a um entendimento de Linguagem enquanto “falas inteligentes” de outras tantas formas de “falas expressivas”, mesmo que estas expressões se assemelhe aos Caos, ao destoante da norma vigente de beleza, de adequação, de verdade, de produtividade...

Caos “esse lugar metafórico queorganiza a desorganização”.
Blanchot

“Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si,
para poder dar à luz uma estrela dançante”
Nietzsche
Linguagens se fazendo ouvir em oficinas de artes ou outra consígnia qualquer que oriente a construção de uma dada “obra” sem pré-requisitos técnicos ou balizadores estéticos, mas antes tutelados pelo desejo de cada um e de um dado coletivo. A partir de um estimulo-tarefa com o objetivo de aproximação do outro e gradativa convivência e aceitação do estranho-diferente, ir construindo mais do que um novo conceito ético-estético, provavelmente um novo patamar de trocas originais e de questionamentos acerca da ordem estabelecida.

“Como diz Maurice Blanchot , a  loucura tem a mesma função que a obra, pois permite à sociedade, como a obra permite a literatura manter – inofensiva, inocente, indiferente- a ausência de obra entre os firmes limites de um espaço fechado”. A ausência de obra fechada no asilo, esta emparedada também na obra. E tal como a desrazão usa a loucura para expressar-se, a ausência de obra usa a obra, até às vezes a sua possibilidade extrema(isto é, arruinando-a), para manifestar-se(...)É o fora que, confinado à obra, a utiliza para vir “a luz”, e ao faze-lo a arruína, sem nunca conseguir destruí-la. É assim que a obra existe como um movimento que de algum modo a anula sempre, levando-a de volta à ausência de obra, mas nunca definitivamente(....)

Refletindo Postulados de Foucault, o autor sugere:


"Desrazão e ausência de obra só podem expressar-se na forma que os aprisiona: como obra louca. Os poetas loucos não realizam a síntese entre um gênero literário e outro psiquiátrico, mas expressam a desrazão com as máscaras que esse século e outros talvez lhes reservam: a arte e a loucura (...) A desrazão confinada na loucura ou na obra exigiria, quem sabe não psiquiatras, nem críticos de arte, mas (...) pensadores do Fora. O pensamento do Fora pode ocupar-se do Fora embutido na loucura e na arte,  na filosofia ou na política. Pouco importam, aqui, os territórios. O essencial é que se trate de  um pensamento que pratique, como diz Blanchot em outro contexto, o aléa entre raison et déraison. Talvez o pensamento do Fora permita um contato com a desrazão que não desemboque na loucura (...)

(...) Ao longo de uma história da loucura sempre estarão em questão as diferentes modalidades de relação com o Fora (confinamento, exposição, a troca) segundo diagramas de poder, os  estratos de saber e os modos de subjetivação sucessivos. Loucura e Pensamento do fora entendidos  enquanto "experiências" tanto artísticas, cotidianas, místicas como propriamente pensantes. em que uma certa turbulência é expressão de um tipo de relação com o Fora ou a Desrazão. São duas formas de se relacionar com o Fora(...), enquanto à Loucura transforma o Fora em-Dentro numa adesão surda, o pensamento do Fora é capaz sie estabelecer com ele um jogo e uma troca".
Peter Pál Pelbart, Da Clausura do Fora ao Fora da Clausura, 1989
Para ter acesso ao livro Da Clausura de fora ao fora da clausura clique AQUI

Será a própria experiência destes novos códigos de convivência, onde cada dificuldade, cada limitação possa ser compreendida num universo mais complexo do que a "culpa" individual ou a predestinação ao fracasso, ao sofrimento e a não autonomia. A compreensão de que a "solidariedade consorciada", ou seja, a complementariedade das potencialidades e vocações de uns, associadas as de outros formam cadeias, correntes, com elos fortes que patrocinam transformações na concepção de homem, de mundo e de se estar no mundo, no olhar de cada indivíduo.

Códigos de convivência onde se exercita um poder de barganha afetiva, e sendo o afeto não catalogado cientificamente como louco, deficiente, marginal ou são; logo este código contribuirá na construção de um outro poder: de barganha contratual. Onde se exercita a associação indiscriminada anti-guetos, que busca desenvolver a façanha da "louca criação marginal" reinventando o belo, a obra individual ou coletiva tendo a cidadania como tutora.

Inevitavelmente este exercício nos levará a outros campos e cenários mais áridos e impulsionará a realizações e inserções em outras esferas do mundo humano, para além dá esfera da convivência, da solta associação dos afetos. A esfera do mundo do trabalho, onde residem as balanças de precisão que equacionam virilidade, produtividade e felicidade, maquiando a exploração do homem, de sua força de trabalho, impedindo sua criatividade e crítica, alienando vocações, ... a experiência de convivência certamente questionará.

O trabalho enquanto espaço de produção de riqueza e de "loucura-sofrimento" precisa ser resgatado em sua essência oposta, ou seja, nas chances de se produzir e de se agrupar indivíduos diferentes em suas potencialidades e habilidades, sob um contrato de investimento e disponibilidade cooperativa e não competitiva, segundo as possibilidades máximas de cada um, e portanto, pressupon­do uma divisão igualitária do ganho-lucro" para produtos-produções finais diferentes, frutos de processos acordados sobre bases iguais.

Assim a cooperação enquanto característica dos núcleos de trabalho a se desenvolve­rem nos Cecco's poderão propiciar (re)significado a segmentos marginalizados que empunharão a própria defesa da liberdade e da dignidade de suas vidas, (re)conquistando uma senha, de singular importância no nosso meio, nestes tempos: a de Ser sujeito de produção (produtivo) e portanto com efetivo poder contratual.
Entretanto, a curto e médio prazo, serão outros os eixos sustentadores de tal emprei­tada trabalhista: o incentivo a formação de grupos consorciados a se desenvolverem fora do Cecco mas com a colaboração e assessoria facultativa deste:

  •  Estímulo ao desenvolvimento de economia popular autônoma, gerida pelo próprio grupo;
  • A discussão permanente do significado do trabalho, do lucro, da mais valia, da alie­nação, do risco, da relação determinística das más condições de trabalho e sofri­mento mental, etc.;
  • A valorização de iniciativas espontâneas e a disponibilidade de profissionais em co­laborar no sucesso das tentativas.
"As doenças e as deficiências existem, seja no campo físico, seja no campo mental. Mas é arriscado catalogar a saúde como ideal e o patológico como desvio, porque os dois fenômenos são parte de um processo único; e porque a doença, que se constitui sobre bases biológicas ou psíquicas, é revestida de um juízo social pelas consequências que provoca na vida cotidiana. Daí derivam os comportamentos que podem agravar ao invés de atenuar os fenômenos patológicos em ação. Entre-as Personagens de Luigi Pirandello (1867-1936) existem, p.e., muitíssimas extravagantes e numerosas loucas. Mas Pirandello nunca as coloca no manicômio. Num de seus romances, Um, Nenhum, Cem Mil, mostra que, ao contrário, em certas condições, pode acontecer a qualquer um de ser "considerado louco". Temos constantemente diante de nós situações alienantes, trabalhos incompatíveis com a vida muito mais que vidas incompatíveis com o trabalho, sociedade para ser transformada muito mais do que homens a serem rejeitados (...)
(...) O deficiente é considerado um indivíduo que não pode trabalhar ou que pelo menos em uma capacidade de trabalho inferior à normal. Isso é absolutamente errado, porque na maior parte dos casos se aquele que tem alguma desvantagem é colocado numa função adequada pode produzir como todos. Admitamos que um indivíduo seja completamente paralítico dos membros inferiores, enquanto que para o resto seja completamente normal, e que a ele seja reconhecido um grau de 80% de diminuição da capacidade de trabalho. Vejamos onde está o absurdo de que falei: este indivíduo colocado para fazer um trabalho que requer o uso quase perfeito das pernas, ou que também requeira esforço físico, será naquele posto uma redução da capacidade de trabalho de 100%, se, ao invés disso, for colocado para fazer um trabalho que requeira o uso das mãos, ou da mente, ou da voz, o mesmo indivíduo produzirá  no seu grau máximo (...)
(...) as tribos Kubu, da Ilha de Sumatra, das quais fala Sigerist, aceitam e integram no seu grupo, normalmente, os casos de doenças (pequenas doenças, feridas ligeiras) que não atrapalham a vida comunitária. Por outro lado, quando a doença impede o indivíduo de fazer parte da vida coletiva, eles rejeitam, com meios bastante enérgicos, aqueles que são afetados, os afastam e os condenam a um fim prematuro. Sigerist escreve que o "doente está morto socialmente, muito antes que esteja morto fisicamente". É necessário reconhecer que hoje, na sociedade industrial altamente competitiva e desumana, ocorre algo de semelhante quando não intervém a assistência pública ou a solidariedade das pessoas. Isto é, ocorre um retorno às leis tribais, com o agravante de que estas talvez fossem necessárias para a sobrevivência da tribo. Hoje não!'"


"Seja na vida individual ou na vida coletiva, o impacto de uma ecologia mental não pressupõe uma importação de conceitos e de práticas a partir de um domínio "psi" especializado. Fazer face à lógica da ambivalência desejante, onde quer que ela se perfile - na cultura, na vida cotidiana, no trabalho, no esporte, etc. -, reapreciara a finalidade do trabalho e das atividades humanas em função de critérios diferentes daqueles do rendimento e do lucro: tais imperativos da ecologia mental convocam uma mobilização apropriada do conjunto dos indivíduos e dos segmentos sociais!!
Félix Guatarri

"Mesmo que a realidade tratada nas descompensações psicóticas e neuróticas não tenha nenhum poder patogênico, a não ser pelo conteúdo que veicula, admitamos que a realidade, mesmo sem nenhuma ocorrência específica, pode favorecer o surgimento de uma descompensação. Deve-se levar em consideração três componentes da relação homem-organização do trabalho: a fadiga, que faz com que o aparelho mental perca sua versatilidade; o sistema frustração-agressividade reativa, que deixa sem saída uma pane importante da energia pulsional; a organização do trabalho, como correia de transmissão de uma vontade externa, que se opõe aos investimentos das pulsões e às sublimações. O defeito crônico de uma vida mental sem saída mantido pela organização do trabalho, tem provavelmente um efeito que favorece as descompensações psicossomáticas (...)
(...) a organização do trabalho e, em particular, sua caricatura no sistema taylorista e na produção de peças é capaz de neutralizar completamente a vida mental durante o trabalho ("Fantasmas" no sentido psicanalítico). Nesse sentido, o trabalhador encontra-se: de certo modo, lesado em suas potencialidades neuróticas e obrigado a funcionar como uma estrutura caracterial ou comportamental. Efetiva-se assim, artificialmente, pelo choque com a organização do trabalho, o primeiro passo para uma desorganização psicossomática experimental. (...)
(...) Deste modo, a livre organização do trabalho torna-se uma peça essencial do equilíbrio psicossomático e da satisfação."
Christophe Dejours, A Loucura do Trabalho, 1987

“O trabalho é essa atividade tão específica do homem que funciona como fonte de construção, realização, satisfação, riqueza, bens materiais e serviços úteis à sociedade humana. Entretanto, o trabalho também pode significar escravidão, exploração, sofrimento, doença e morte. A escra­vidão, oficialmente abolida na maioria dos países do mundo atual, deixava bem clara a delimitação entre os homens que eram donos do poder e dos meios de produção e aqueles outros homens, utilizados como ferramentas vivas na produção e no servir. O corpo e a mente do escravo eram propriedade do senhor, existiam para obedecer e para produzir. A obediência e a ausência de liberdade do escravo constituíam, justamente, a garantia da realização do máximo de trabalho possível por cada escravo. Foucault mostra como este princípio da garantia da obediência, ainda em nossos dias, continua sendo mantido, através de sistemas de controle bem mais sofisticados do que a escravidão.
Assim, nas sociedades modernas, ditas evoluídas e humanistas, foi criada toda uma estrutura que, explicitada como sendo de serviços destinados a proteger os direitos e a saúde dos trabalhadores, surge em verdade também para ocultar o processo de extração das energias humanas e seus efeitos, podendo, é verdade, até suavizar este processo, contanto que a produtividade não seja atingida.”
Aos profissionais, fruto de uma dada concepção de saúde - doença, construída sob o prima da história natural da doença, sob a proteção do modelo médico, cabe um repensar de conceito ético, particularmente, patrocinado pelo enfoque processual do fenômeno saúde-doença questionador de parâmetros rígidos que insistem em desconsiderar os nexos causais associados a determinação social deste sofrimento humano e negam uma compreensão dinâmica de proposições como: adoecimento, cura, resolutividade, eficácia, eficiência, modelo, ciência, vínculo, sigilo, poder, responsabili­dade, participação, subjetividade, multidisciplinariedade,...
Felix Guatari reflete:
"A condição prévia a todo novo impulso da análise (...) consiste em admitir que, em geral. e por pouco que nos apliquemos a trabalha-los.  Os Agenciamentos subjetivos individuais e coletivos são potencialmente capazes de se desenvolver e proliferar longe de seus equilíbrios ordinários. Suas cartogra­fias analíticas transbordam, pois, por essência, os territórios existenciais aos quais são ligadas. Com tais cartografias, deveria suceder como na pintura ou na literatura, domínios no seio dos quais cada desempenho concreto tem a vocação de evoluir, inaugurar aberturas prospectivas, sem que seus autores possam se fazer valer de fundamentos teóricos assegurados pela autoridade de um grupo, de uma escola, de um conservatório ou de uma academia...
Fim dos catecismos psicanalíticos; comportamentalistas ou sistemistas. O povo "psi", para convergir nessa perspectiva com o mundo da arte, se vê intimado a se desfazer de seus aventais brancos, a começar por aqueles invisíveis que carrega na cabeça, em sua linguagem e em suas maneiras de ser (um pintor não tem por ideal repetir indefinidamente a mesma obra...). Da mesma maneira, cada instituição de atendimento médico, de assistência, de educação, cada tratamento individual deveria ter como preocupação permanente fazer evoluir sua prática tanto quanto suas bases teóricas".
Para Giovanni Berlinguer:
"Além da pressão das indústrias e dos especialistas para o uso de instrumentos e de fármacos em excesso em relação às exigências do tratamento, além do abuso de internações hospitalares, existe também a necessidade de ser superada pela população a ideia de que sejam preferíveis os tratamentos que parecem levar consigo uma expiação de culpa; dessa forma, os medicamentos amargos são mais eficazes, as injeções são melhores que as pílulas, a confissão dos pecados é necessária para a cura. Por outro lado, foi observado pelo estudioso francês Michel Foucault, que a medicina moderna, prescrevendo ao doente de modo rigoroso e autoritário o que ele deve fazer para curar-se, rompe a sua relação com o mal. Isto é. obriga-o a romper com uma parte de si, que ele, ao contrário, deve fazer emergir do inconsciente para decidir-se voluntariamente a combater"

Peter Pál Pelbart nos coloca:
"Em dado período da história da psiquiatria vimos que o alienismo teve que vestir a roupagem médica para legitimar-se enquanto ciência. A colcha de retalhos que costurou para si não foi capaz de ocultar a violência pedagógica e moralizaste que constituía sua natureza mais íntima. Quanto ao resultado de seu esforço cientificizante, só pode ser visto como uma estridente ironia do destino. Ao tentar dar um substrato anatômico à categoria recém-criada de doença mental, aspirando ao reconhecimento da comunidade médica e científica, tudo o que a psiquiatria conseguiu, em suas circunvoluções edificantes, foi mostrar, ao contrário, que o patológico é fruto da civilização. Ao buscar um corpo para a loucura, encontrou a história (...)"
Contribuir para o reconhecimento de novas concepções acerca do papel Terapêutico-Educativo- Facilitador de Transformações dos profissionais dos Cecco's, aliado a efetiva participação popular, enquanto planejadora, avaliadora, termômetro da ação dos serviços na compreensão da produção social do sofrimento psíquico, do processo saúde-doença, da dimensão da cultura manico­mial e da atenção em saúde mental contra-hegemônica, consolidará de forma estreita uma também nova e necessária concepção de "Qualidade de Vida", em que a expressão da subjetividade e o exercício de cidadania sejam singulares e imprescindíveis.
Reflexões de Gigliola Lo Cascio:
"(...) Do momento em que as causas do mal não são mais procuradas nos deuses, mas nos homens, inicia-se a caça aos "corpos de delito": bruxas, bruxos, marginais e minorias são perseguidos porque são considerados responsáveis pelas causas do mal. Nasce além disso a nova concepção da morte, não mais como passagem para o além, mas como ameaça à destruição da ordem social: e do momento em que não se consegue dar-lhe uma explicação aceitável, a única reação possível é a de afastá-la. aprisioná-la, separá-la. Os hospitais funcionam, assim, de um lado como antecâmara da morte, onde são recolhidos os doentes para liberar a sociedade das doenças e dos contágios. do outro lado, como prisão para os agitadores da ordem civil, para os vagabundos, para os mendigos, para aqueles para os quais as medidas de repressão são necessárias".
Reflexões de Peter Pál Pelbart:
(...)loucos são internados juntamente com os doentes venéreos, os devassos, os libertinas, os sodomitas e os alquimistas - todos transgressores da nova ética do trabalho, nem propriamente miseráveis, nem doentes. "O que outrora constituía um inevitável perigo das coisas e da linguagem do homem, de sua razão e de sua terra, assume agora a figura de personagem", explica Foucault.
A desrazão, antes inumana e onipresente, agora não passa de uma galeria de tipos desviantes, identificáveis e condenados. (...)
A desrazão era afetiva, imaginária e atemporal, a loucura será temporal, histórica e social. É assim que no próprio momento em que a desrazão é silenciada, a loucura é exibida de forma organizada e explícita, no escândalo de suas formas e, por trás das grades, numa distância protegida".

Um exercitar diário - cotidiano de inúmeros resultados favoráveis vem fundamentar o investimento articulado de vários setores de políticas públicas municipais - o Intersecretarial - nos Centros de Convivência e Cooperativa, buscando entendimento comum na linha da complementariedade dinâmica e não da sobreposição setorizada, apostando numa parceria de cunho não institu­cionalizador neste “fazer saúde" afim de tecermos cuidadosamente uma "teia ecológica da subjetividade" em defesa de uma vida com qualidade.

"A prática vivenciada em uma gestão democrática e popular como a em curso no Município de São Paulo desde 1989, aponta para o reconhecimento de que a determinação do que venha a ser Qualidade de Vida, deva ser definida através do postulado de participação efetiva dos trabalhadores, mulheres, negros, homossexuais, jovens, idosos, portadores de necessidades especiais... e todos os grupos que lidam por sua emancipação, na definição conjunta de metas e prioridades, traduzindo estes interesses nas políticas públicas visando:
·         Ampliar e melhorar a qualidade dos serviços sociais, mas principalmente,
·         Incentivar, no interior da sociedade, a difusão de relações sociais alternativas, objetivando a  formação de pessoas capazes de decidirem, intervirem e se solidarizarem consigo mesmas e com os destinos da cidade.
A experiência Intersecretarial no Grupo de Trabalho "Cultura, Cidadania e Saúde Mental" demonstrou ser possível praticar política pública social de forma integrada avançada e criativa, desde que  seus agentes institucionais assumam a postura de colaboração fraterna acima dos interesses corporativos (...). A cultura de ações setoriais fragmentadas, com sobreposição de objetivos e dispositivos dificultadores da ação Intersecretarial que ainda impera no setor público municipal clama pela necessi­dade urgente da Reforma Administrativa elaborada pela PMSP, "quesito" indispensável para um desempenho administrativo menos burocrático e mais eficaz na resposta às necessidades de humaniza­ção das relações sociais em nossa cidade".
Relatório do G.T.I.  Cultura, Cidadania e Saúde Mental, 1992

"Qualquer que seja o momento histórico em que esteja a sociedade, seja a do viável ou do inviável histórico, o papel do trabalhador social que optou pela mudança não pode ser outro senão atuar e refletir com os indivíduos com que trabalha para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades de sua sociedade”.
Paulo Freire, 1982

Será necessário um esforço conjunto, co-gerenciado paritariamente, com a participa­ção da população, no cotidiano dos Cecco's, na perspectiva da reorientação e reformulação de valores onde o repertório de cada indivíduo se potencialize e a abordagem de vários setores sociais sobre estes indivíduos se dê holisticamente.

Portanto a relativização de um dado saber e um dado poder, o reconhecimento do território, a relevância das condições de vida e da história coletiva e individual determinando a forma de ser e de adoecer das pessoas no mundo, aliados a escuta sensível à ressingularidades; concorrerão para inaugurarmos um novo processo onde testemunharemos o desejo, a solidariedade, a crítica, a liberdade, a organização coletiva, o afeto, a cidadania... protagonizando o seu próprio "script".


CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS E INDICAÇÕES NORMATIVAS:
RECEPÇÃO - ACOLHIDA
A recepção - acolhida não significa "receber pessoas encaminhadas", mas fundamen­talmente um momento de "acolhimento" (amparo e hospitalidade) às pessoas que chegam para conhecer mais um serviço, muitas vezes após inúmeros encaminhamentos anteriores marcados pela burocracia e a não-escuta, desprovidos portanto, de afeto, de empatia, de possibilidade, consequen­temente, do estabelecimento de vínculo.
No Cecco enquanto espaço aberto à escuta, ao olhar, a inserção imediata deverá ser facilitada sem "a priori": de ficha de registro, entrevista, encaminhamento, papéis..., signos institucionalizadores típicos dos serviços públicos de saúde que intermediam a escuta, o olhar, o "vinculo" e anteparam a responsabilidade na não absorção de demanda - desejo - necessidade do outro.
Estando o Cecco estruturado fundamentalmente em ações abertas, poderá receber a quem chega de forma diferenciada, já proporcionando o mínimo de contato interpessoal e oferta de atividades que possam promover uma aproximação de vida, não burocrática, com quem procura.
Toda recepção - acolhida deverá possibilitar um conhecimento do local (caminhada, visita monitorada), e da proposta, para tanto todo Cecco deverá possuir como material subsídio a esta primeira e importante atividade de acolher o "novo" que chega, cartilhas, gibis e/ou boletins que esclareçam de forma simples e lúdica o que é o serviço dos Cecco's em geral, e o seu papel no modelo de atenção à saúde como um todo além do cronograma de atividades daquele Cecco especificamente. Também deverá ser estimulada a apresentação de filmes-vídeos, de curta duração, que abordem a dimensão mais global da questão manicomial e os vários serviços substitutivos às instituições totais manicomiais (Hospitais Psiquiátricos, Asilos,...) destacando exemplos de funcionamento e depoimen­tos de alguns Cecco's e em particular daquele em que se encontra o usuário.
FUNCIONAMENTO RECEPÇÃO - ACOLHIDA
Deverá se dar todos os dias úteis, em qualquer horário no período de 8:00 às 17:00 (média do horário de funcionamento da maioria dos Cecco's).
- Plantão de um técnico da equipe para a ação de recepção - acolhida diária
- Utilização de um bloco de registro que conste nome, endereço, idade, ocupação, procedência, motivo, de todos que procurarem o Cecco e a conduta do profissional
- Realização de entrevista pormenorizada poderá se dar no mesmo dia da acolhida ou ser agendada para outro dia, dependendo da situação (no mapa de atendimento individual ou grupal).
- Em caso de usuário em crise, na acolhida, deve-se intervir imediatamente com abordagem técnica seguida de encaminhamento, com acompanhamento de um téc­nico se necessário.

Para tanto pressupõe sensibilização e preparação cuidadosa de todos profissionais do Cecco para a tarefa de recepção - acolhida (através de discussões, leituras e jogos).
Todo Cecco deverá ter exemplares de guias de serviços de saúde mental da cidade, gibis sobre Cecco's e outros materiais gerais informativos (saúde. educação, cultura,...) que deverão estar à disposição da população para consulta e/ou distribuição.
O contato com este material deverá ser monitorado pelo profissional da recepção - acolhida como atividade oferecida ao usuário ou pequenos grupos de usuários que chegam (poderá se fixar rotineiramente alguns horários aglutinadores para esta exposição).
O compromisso essencial deste serviço deverá ser com a não institucionalização dos indivíduos, das diferenças, dos desejos, etc., não significando, entretanto ações desprovidas de plane­jamento, organização e limites (na ocupação de espaços/no cumprimento de contratos), mas que suponham uma relação entre seres vivos com direitos e deveres sob o princípio da responsabili­dade e da solidariedade, portanto sob o princípio de uma nova ética, que deverá estar marcado explicitamente desde a chegada do usuário ao serviço.

ENTREVISTA INICIAL
Deverá possibilitar identificação de todo usuário e sua referência, quando houver, de acompanhamento de saúde em unidade especializada ou não, dado fundamental para a população alvo.
Deverá conter histórico de vida desde composição familiar, história ocupacional e de saúde, habilidades específicas, projetos de vida, interesses e expectativas.
Deverá identificar quanto ao Cecco como soube e porque procurou.
Em se tratando de população alvo estes dados serão imprescindíveis para um contato com os serviços, principalmente de saúde, a fim de se efetivar a referência e contra referência. Devendo ser uma prática dos profissionais dos centros de convivência e cooperativas o contato pessoal com os profissionais na unidade de saúde onde o usuário (pop. alvo) é acompanhado, possibilitando assim a integração necessária para uma ação mais globalizante junto ao usuário e garantia de retaguarda mútua.
A indicação é que esta primeira entrevista seja individual ou em grupo familiar realizada por profissional técnico, podendo ser agendada ou ocorrer no dia da chegada do usuário ao serviço, entretanto sempre após a acolhida.
A equipe técnica do Cecco deverá estar atenta, a partir da entrevista inicial, a inserção da população alvo em atividades/oficinas, devendo orientar a esta demanda, a partir de conhecimento de seu histórico de vida, quais atividades mais propícias e as menos indicadas para um primeiro momento. Isto significa que a equipe deverá ser vigilante quanto à escolha do usuário que não será de toda arbitrária, devendo ser monitorada e esclarecida quanto a possíveis cuidados ou riscos (Exemplo: usuário que faz uso de determinado medicamento que compromete respiração ou excita o organismo quando de super-estimulação por movimentos, neste caso atividades que exijam grande desempenho motor como dança, corrida, aeróbica... deverão ser evitadas ou moderadas enquanto persistir a medicação).
ENTREVISTA DE ACOMPANHAMENTO
Deverá ser garantida a população alvo, uma vez ao mês, entrevista de acompanhamen­to, ou seja, troca de impressões e informações do profissional do Cecco com usuário e familiares sobre a qualidade da participação, da oferta de serviços e o significado terapêutico na vida destes. Esta entrevista poderá se dar individual ou coletivamente.
A indicação é que cada profissional da equipe técnica tenha a responsabilidade de acompanhar um determinado "montante" de usuários (população alvo), a fim de possibilitar a vinculação e um melhor reconhecimento de participação e evolução destes.
A equipe deve se organizar e se predispor para esta tarefa de "adoção qualificada", onde a empatia recíproca deve ser considerada na efetivação da tarefa, assim alguns técnicos serão a referência para alguns usuários, não exclusivos responsáveis, mas antes referência para a própria garantia de suporte e definição de atribuições na equipe, recriando códigos de vinculação.
EVOLUÇÃO
Todo usuário deverá ter em sua pasta de identificação, em arquivo, o registro da entrevista inicial e o registro diário ou semanal de suas atividades, devendo no caso da população alvo este registro ocorrer mais pormenorizado com a característica de breve relatório sobre a evolução do usuário com relação a suas necessidades específicas e qualidade de participação. 


REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
 
                                                
(Equipamentos de Saúde)
O centro de convivência e cooperativa poderá receber encaminhamento de todos os equipamentos de saúde, devendo em caso de população alvo receber anexado um relatório, de histórico e tratamento de saúde, pelo profissional responsável pelo usuário encaminhado.
A UBS (Unidade Básica de Saúde) é a porta de entrada do sistema e, portanto deverá priorizar a absorção da população alvo do Cecco, principalmente em se tratando de grupos com menores "chances de vida psíquica" (alcoolistas, drogaditos, psicóticos, suicidas).
Constituirá pré-condição à participação no Cecco o acompanhamento em UBS dos P.T.M. (portadores de transtorno mental) que careçam de atendimento ambulatorial em saúde mental.
A fim de sensibilizar e desmistificar as ações de saúde desenvolvidas pelo Cecco, através de novas consígnias terapêuticas é indicado que o Cecco de forma sistematizada desenvolva junto às UBS oficinas livres (expressão corporal, confecção de máscaras, vídeo, mímica, massagem, exploração de cores através de papel e plantas, etc...) principalmente junto às filas de espera de corredor, grupos de 3ª idade, ... funcionários e técnicos, como possibilidade de ampliar horizontes de aproximação e atração de usuários ao Cecco.
Em casos de surtos, crises de pessoas acometidas de transtorno mental, frequentadores do Cecco, caberá a equipe técnica sempre que avaliar necessário somente após tentativas de resposta no equipamento, encaminhar ao serviço de emergência psiquiátrica do P.S. do Hospital Geral de referência, o qual por sua vez deverá impedir o encaminhamento para internação em hospital psiquiátrico, se a internação for indicada esta deverá se dar em leitos psiquiátricos ou de clínica médica, dependendo do quadro, no próprio hospital geral.
Necessária se faz a garantia a nível distrital e regional de uma sistematização de remoção de usuários do Cecco ao P.S., quando acionados pela equipe técnica, constituindo-se em prioridade.
Não obstante deverá se constituir em norma de conduta o acompanhamento, por no mínimo 1 (um) técnico do Cecco, aos usuários, população alvo, encaminhados a qualquer outra unidade de saúde (UBS, P.S. Hospital-Dia...), na qualidade de "acompanhamento terapêutico" que venha a facilitar a inserção e a preservar o valor terapêutico do vínculo, que gradativamente promova a ligação com um novo serviço (um novo espaço de contrato) e também de forma gradativa se afaste apostando no exercício de autonomia do usuário, e na capacidade de acolhida terapêutica destes outros equipamentos.
A avaliação para internação em enfermaria de saúde mental ou mesmo para tratamento intensivo em regime de hospital-dia pressupõe uma avaliação técnica mais minuciosa e especializada em equipe multiprofissional, devendo, portanto não recair tal atribuição somente à equipe técnica do Cecco. Entretanto a equipe do Cecco deverá apontar sempre que avaliar necessário tal conduta em relatório e/ou discussão do caso ao P.S. em caso de indicação de internação em enfermaria de saúde mental, e ao hospital-dia em caso de indicação de atendimento intensivo.
O Cecco deverá efetuar visita agendada a cada equipamento de saúde, a fim de conhecer o serviço, os profissionais, o conselho gestor, a característica da demanda, ... e de discutir e esclarecer sua normatização, objetivos, característica e oferta, devendo fornecer material de esclare­cimento e divulgação do trabalho a todos os equipamentos.
REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA
(Outros Recursos Sociais)
O Cecco deverá manter contato estreito com os recursos sociais pertencentes ao seu território de abrangência, e contatos gerais-pontuais com instituições ou recursos da cidade como um todo;
- Escolas
- Creches
- Associações (de usuários, de bairro...)
- Centros de Juventude
- Bibliotecas
- Centros Esportivos e Desportivos
- Casas de Cultura
- Teatros
- Cinemas e Cineclubes
- Rádios
- Movimentos Populares
- Sindicatos
- Centros Comunitários
- Igrejas
- Parques Municipais
- Fábricas
Objetivando tanto absorver demanda dos locais, conhecer a realidade destes e em alguns casos, garantir a inserção de usuários dos Cecco's nestes recursos; efetuar planejamento para ações conjuntas e troca de subsídios.
(p.e.) ser atividade curricular de determinada cadeira-escolar, a visita ao Cecco de classes de alunos para o desenvolvimento de determinada atividade dirigida pelo professor e técnico do Cecco; empréstimo de livros pela biblioteca e de­senvolvimento de oficinas de leitura)
Ao Cecco cabe efetuar visitas aos recursos da região da qual é referência, a fim de conhecer o serviço prestado e se fazer conhecido em seu objetivo de trabalho, para tanto subsidiando o local com material de esclarecimento de proposta e de divulgação.
Em se tratando de Escolas e Creches caberá a equipe dos Cecco's visitas mais organizadas e sistematizadas que objetivem a sensibilização destes equipamentos, a fim de planejarem conjuntamente a utilização do Cecco por esta população institucional e, em contrapartida, ações mais dirigidas de Educação Popular em Saúde Mental, por parte dos Cecco's, aos usuários e à estrutura destas instituições educacionais.
Caberá ao Cecco à iniciativa de divulgação e apoio, como também parceria privilegiada e incondicional na viabilização do Projeto: Centro de Apoio e Projetos que introduz nas Escolas e Creches Municipais os considerados diferentes (portadores de necessidades especiais em geral ­deficientes, doentes ...), em espaços comuns (p.e.) em classes regulares, não especiais - sinal nítido de segregação -, com a retaguarda de salas de apoio com recursos materiais e humanos especializados para além do curso regular, aberta a interessados em geral.
Todo Cecco deverá montar cadastro e arquivo de recursos da comunidade local e geral da cidade, constando identificação, endereço, objetivo, filosofia de trabalho, tipo de oferta, a quem se destina, pessoa de contato-referência e telefone. 
ATIVIDADES EXTERNAS COM MOVIMENTOS SOCIAIS, INSTITUIÇÕES EM GERAL E UNIDADES DE SAÚDE.  
  • Sendo o Cecco um espaço facilitador de expressão de heterogeneidades, de espelho da sociedade manifesto na mistura dos inseridos mais aceitos e menos aceitos;  
  • Sendo o Cecco um provocador de valores ao arrogar para si a tarefa de colaborador na reinserção social dos discriminados, explicitando na verdade uma concepção para além do jargão, força de expressão "reinserção social", pois não há como reinserir o inserido, antes e fundamentalmente procurará refletir e questionar o conceito de inserção e a qualidade desta, identificando o grau de perversidade do lugar social­mente dedicado aos "diferentes"; 
  • Sendo o Cecco um defensor da qualidade de vida e não obstante entendendo o ser humano enquanto um ser produtivo: de vida/de sonhos/de trabalho-vivo/de prazer­-desalienação/de construção/de originalidade-criação...;Sendo o Cecco um espaço possibilitador de participação num mundo do trabalho a partir da equação:
      Convivência + Cooperação      
          Produção Singularizada         =                 Poder Contratual
    
  •   Sendo o Cecco um palco privilegiado como um "laboratório de vivências e modelos de vinculação", questionador de uma dada normalidade e de uma dada relação com a Natureza;    
  • Sendo o Cecco um ousado instigador da atuação viva na vida, à mera contemplação da "natureza viva";  
Propõe o constante agrupar e o consorciar de pessoas organizadamente, a fim de discutirem o mundo através dos óculos da arte ou do estigma, mas sob a égide da convivência pacífica porém questionadora que a frequência das trocas pode possibilitar.  
Como o mundo fora do Cecco também convive, questiona e se organiza/desorganiza, é de extrema importância aproximar e ampliar horizontes dentro deste mundo comum. Assim deverá constituir tarefa prioritária dos profissionais do Cecco o contato para conhecimento e troca com os Movimentos, Entidades Sociais, outros da área a quem o Cecco abrange e é referência como Movimentos de saúde, educação, mulheres, negros, índios, culturais, ambientalistas, Pastorais, Sindicatos, Sociedade amigos... Igrejas, Terreiros de Umbanda, Candomblé,..., a fim de dar visibilidade a realidade local, promovendo junto a estes segmentos discussões e reflexões sobre a cultura manicomial, ou seja, a cultura da discriminação, da exclusão, da marginalização, da segregação e extermínio do que incomoda, do que é diferente, do que não se enquadra nos padrões de normalidade e disciplina. Como também detectar espaços e práticas de equilíbrio psicossocial utilizados pela população.
Este processo de educação popular, onde se associa sofrimento mental e qualidade de vida das pessoas, onde se associa manicômio com fábrica, escola, asilo, família..., onde se associa aculturamento e alienação, deverá ser protagonizado pelos Cecco's a fim de clarear cadeias explicativas e processuais de sofrimentos e mistificações, e acima de tudo favorecer a inserção de outros indivíduos nos canais organizados de mobilização da sociedade, valorizando ações que busquem preservar costumes, culturas, crenças de populações migratórias, por exemplo, e, portanto diferencia­das.
Portanto deverão ser planejadas, organizadas e avaliadas ações que promovam o fluxo: Cecco - Movimentos e Entidades Sociais - Cecco como atividade externa das mais fundamentais, que busquem resgatar as potencialidades e as identidades abafadas nos cantos dos bairros, regiões, sinais de sanidade de um povo de seu nome e raiz, e a participação efetiva da comunidade organizada na apropriação da coisa pública, principalmente do Cecco, via canais de co-gerenciamento.
Outro aspecto do trabalho externo será o mapeamento in loco das instituições em geral que existem na região (Biblioteca, Cinema, Teatro, Escolas, Creches, Centros de Juventude, Fábri­cas,...) a fim de: 
  • ·         Conhecer sua filosofia de funcionamento, objetivos, história, população alvo ...;
  • ·         Favorecer, quando interessar, o fluxo de referência e contra-referência;
  • ·         Colaborar na descrição do perfil da região onde se inserem os usuários do Cecco;
  • ·         Possibilitar discussões sistemáticas do Sentido do Manicomial;
  • ·         Impressões gerais.

A confecção de relatórios das visitas a estas unidades/instituições deverão constituir arquivo valioso ao Cecco.

Com relação às unidades públicas de saúde, deverá caracterizar atividade inerente e condicionadora ao bom funcionamento do Cecco, o conhecimento das unidades de referência para a população alvo, em particular para a população acometida de transtorno mental.

Para tanto a visitação destas unidades deverá se valer de ações organizadas e periódicas através de:
·         Desenvolvimento de Seminários internos às Unidades com discussão de casos exemplares;
  • ·         Conhecimento e discussão das normatizações de ambos os equipamentos; 
  • -     Visitas monitoradas ao cecco;
  • ·         Retorno sistematizado dos encaminhamentos realizados de uma unidade à outra;
  • ·    Planejamento e Organização conjunta de atividades comuns em qualquer uma das unidades (por  exemplo: Gincanas de Arte "Fazendo Arte"; Mostra Livre "O que se sabe fazer"; Conversas dirigidas em filas de espera "Quem conta acrescenta uma ponta"; Almoço Comunitário; Roteiros para Educação Ambiental "Caminhada Ecológi­ca"...)
Importante ressaltar a necessidade de proximidade e troca entre os profissionais das várias unidades além de um conhecimento do local (instalações e propostas) a fim de facilitar um fluxo responsável e solidário, e não meramente burocrático.

O vínculo deverá constituir algo não teórico, portanto, quesito básico para o bom desenvolvimento do trabalho articulado.

VISITAS E AÇÕES DOMICILIARES

As visitas e as ações domiciliares para o Cecco deverão ser uma prática pautada fundamentalmente na necessidade de garantir o acesso do usuário ao Cecco e de dar elementos para um melhor conhecimento das condições de vida de uma determinada pessoa ou família, variável sinalizadora de recursos internos e externos disponíveis a facilitar ou não, o processo de convivência, de cooperação e consequentemente de chances de vida de um indivíduo ou um coletivo em que este se insere.

Diferentemente da conhecida rotina da maioria das unidades de saúde, a visita e a ação domiciliar para o Cecco deverá possibilitar intervenções diretas ou indiretas, sempre que necessárias, na dinâmica familiar diária e oferecer orientações, principalmente de cunho social de direitos a bens e serviços e propriamente o exercício de cidadania (contribuição âncora do serviço social articulado ao restante da equipe).

A rotina do Cecco deverá estar marcada, de forma sistemática e planejada, por esta ação (visita e ação domiciliar), que carrega em sua essência dois dispositivos imprescindíveis ao fenômeno Convivência - Cooperação, para além dos muros do Cecco:

I.            "Radar" identificador de situações geradoras ou fatos explícitos de marginaliza­ção, maus tratos, segregação (por exemplo, "cárcere privado", abandono, violência, fome, exploração de trabalho, classe especial em escola comum, ...);

II.            "Modelo Estimulador" de Educação Popular em Saúde Mental Comunitária e/ou de Leitura do Adoecimento Patrocinado pela Institucionalização, por envolver a vizinhança, referências da família, movimentos populares e sindicais, no compro­misso coletivo para soluções conjuntas diante de situações geradoras de sofrimento. Fator Desmistificador da "chamada loucura", identificando e questionan­do os determinantes sociais do sofrimento mental, e Incentivador de ações co­munitárias solidárias em acolher quem sofre mentalmente, potencializando os próprios recursos da comunidade (por exemplo, famílias substitutas à crianças, idosos, de­ficientes, doentes ..., mesmo que durante parte do dia, quando do horário de tra­balho dos "responsáveis", afim de evitar o encaminhamento a instituições totais: orfanatos, casas para deficientes, asilos, hospícios, outros...).

Sendo os indivíduos seres de múltiplas relações e inserções em variados contextos (família, trabalho, escola, comunidade...), o que refletimos acima se aplica enquanto princípio a outros contextos mais fechados pela característica institucional (por exemplo, fábricas), considerando-se as devidas proporções e parcerias nesta ação (por exemplo, trabalho conjunto com Centros de Referência de Saúde do Trabalhador, Unidades Básicas de Saúde, Núcleo de Ação Educativa-NAE...).

A visita ou a ação apesar de constituir uma rotina do Cecco, também poderá ser solicitada por usuários, familiares, movimentos populares, instituições para sensibilização e/ou até avaliação de conduta.

Poderá a visita caracterizar-se enquanto recurso importante na compreensão de afas­tamentos ou ausência de usuários da população alvo ou não.

Portanto a visita e a ação domiciliar deverá funcionar como elo mais direcionado e expressivo de vinculação com indivíduos e contextos e não com números, cid's ou prontuários.

O Cecco deverá se organizar para estar atento e pronto a ir ao encontro de quem lhe pede ajuda através de várias linguagens e formas, muitas vezes através da própria ausência.

OFICINAS
(A linguagem de artistas-obreiros)

A arte tem um dever social que é o
de dar escape às angustias da época.

O Centro de Convivência a Cooperativa não deverá ser simplesmente sinônimo de oficinas, sua vocação não se assemelha a de uma escola profissionalizante, ou de espaço de cursos vivenciais, técnicos, ou ainda de espaço de lazer descompromissado e aleatório.

O Centro de Convivência e Cooperativa investirá numa auto-identidade de espaço propiciador à invenção de novas consígnias de expressão, relação, convivência, e poder de troca-barganha, confeccionados a partir do referencial próprio de cada usuário, tendo como pano de fundo, a ser considerado, um mesmo arcabouço social-ideológico a que todos estamos diferentemente submetidos.

A conjugação de vários elementos para a construção de novas consígnias se utilizará, na maior parte das vezes, do original ofício de "obrar" a própria vida à luz de sons, movimentos, cores, toques, expressões, olhares, falas, grunhidos... ingredientes combinados à criatividade, a renovação e a descobertas vocacionais-críticas, constituindo experiência singular e incentivadora de coletivização e negação do isolamento,

As oficinas enquanto atividades dos Centros Convivência e Cooperativas, internas ou externas, deverão constituir espaço facilitador à convivência não objetivando em primeira instância o ensinar e o avaliar de um dado aprendizado, sendo que o desejo ou mesmo a apreensão de determinada técnica ou conteúdo, poderão ser inspirados ou mesmo facilitados a serem desenvolvi­dos, como objetivo secundário, por vezes, em outros espaços ou atividades a serem formuladas pelo Cecco.

As oficinas deverão se caracterizar enquanto aglutinadoras de pessoas diferentes (oficinas heterogêneas preferencialmente). O instrumento facilitador desta aglutinação deverá ser a tarefa proposta pela oficina, fundamentalmente, evitando os "naturais" agrupamentos (culturalmente estimulados) por patologia, por dificuldades comuns, ou seja, por característica estigmatizante (por exemplo: grupo de psicóticos, grupo de deficientes, hipertensos, idosos ...)

Não obstante se pelo tipo de tarefa houver um maior interesse de determinado grupo heterogêneo, isto não constituirá desobservância às metas, estas são indicativas e provocadoras de postura vigilante-crítica por parte do corpo técnico em relação ao risco dos guetos, pela sua característica segregacionista, que paradoxalmente pode em dado aspecto significar "espaço-forma" de busca de "pseudo-proteção" em um dado conjunto estigmatizado, opção pelo isolamento coletivo ao isolamento individual. Há que se cuidar de maneira hábil e delicada a fim de se discernir este mecanismo perverso do agrupamento dos iguais, significando perpetuação de guetos à simples opção, por conta da senha - tarefa inspiradora e impulsionadora, de determinadas associações de pessoas com dadas características homogêneas.

Por exemplo: uma oficina de dança de salão que agrega pessoas de 3ª idade (idosos) em sua esmagadora maioria: poder ser entendido este fenômeno aglutinador homogê­neo como um dado positivo ao processo de convivência e resgate histórico de identidade destes indivíduos, numa provável manifestação de prazer.
Portanto, o que há de novo e tecnicamente relevante a se explorar na concepção de oficinas, além dos objetivos, da composição de seus participantes, da construção de consígnias referenciadas na manifestação da subjetividade e na ressingularização dos indivíduos, é propriamente a forma que estas oficinas se apresentam.

Assim deverá se trabalhar a preservação da tarefa muito mais enquanto linguagem do que significação técnica com dado conteúdo programático a ser desenvolvido. Possibilitando uma aproximação de pessoas que queiram entrar em contato com a música, a dança, o teatro, a pintura sem exames pré-admissionais de aptidão e sem sabatinas periódicas de avaliação de desempenho. Exercício este bastante singular que estará sob a coordenação e vigilância de um corpo multidiscipli­nar que também estarão em curso de um ressignificado da própria ação profissional (postura, desenvolvimento, postulados teóricos ...)

Quando identificamos a linguagem como o aspecto qualitativo e diferenciador da oficina, das atividades dos Cecco's, identificamos um dos aspectos fundamentais de sustentação da proposta de convivência, pois a linguagem será o instrumento guia de manifestação de signos, a serviço da comunicação entre indivíduos que poderão utilizar diversos órgãos do sentido ou mesmo elemen­tos diversos, o próprio afeto para captar e expressar ideias, sentimentos, modos de comportamento.

A convivência, assim, irá assumindo um contorno de convivência tanto individual quanto coletiva, ou seja, de cada pessoa reconhecendo o seu próprio signo, decodificando o signo de outros indivíduos e resignificando um signo(s) grupais de manifestação de sentimentos, ideias, contatos; movimento este por si só analítico-crítico no seu tempo, na sua forma própria e bastante original pela simplicidade dos instrumentos utilizados.

Deveremos ir identificado processualmente as pessoas se agruparem em torno de tarefas como dançar, cantar, dramatizar, pintar, ... pelo prazer e/ou oportunidade que tais tarefas-linguagens proporcionam para a própria linguagem do corpo, da história, do afeto de cada indivíduo se fazerem ouvidas e fundamentalmente trocadas na relação com o outra, como um primeiro reexercitar de poder de troca subjetiva onde alguém se reconhece como determinador de algo próprio e original para poder oferecer, mostrar a outrem: sinal de identidade e diferenciação, elementos imprescindí­veis a idiossincrasia, a construção de cidadania.

As oficinas deverão ter como alvo de preocupação, por parte de seus profissionais responsáveis, a reflexão diária da determinação social do sofrimento dos indivíduos manifesta principalmente na diferença de oportunidades, nas limitações impostas pelas condições de vida, de trabalho, na qualidade das relações interpessoais. Tal ação deverá objetivar um processo desmistificador e reorientador de nexos-causais na cadeia determinística do sofrimento das pessoas. Em se tratando de sofrimento psíquico patrocinado pelo estigma, pela segregação..., através da problema­tização da imagem e papel social veiculados acerca do indivíduo acometido por transtorno mental, do portador de deficiência, do idoso, das crianças e adolescentes de rua, ... se buscará no dia a dia da convivência, o questionamento, a reflexão e o enfrentamento conjunto, evitando negação da realidade ou mesmo atitudes de compaixão, racionalização e/ou explicações religiosas/místicas, principalmente por parte daqueles que monitoram, assumem a coordenação ou acompanham voluntariamente Os trabalhos, sendo de responsabilidade do corpo técnico subsidiar e supervisionar este desenvolvimento diário e promover discussões sistematizadas.

Por exemplo:

  • ·         Trabalhador mutilado na máquina de uma firma ou com depressão psicótica "ocupacional"- conviver com a diferença no Cecco pressupõe fazer a relação das condições e organização do trabalho a que esteve ou está submetido, a ne­cessidade de horas extras, o stress ... e o acidente, o sofrimento;
  • ·         Criança portadora de determinada deficiência mental - conviver com a diferença no Cecco pressupõe recuperar a história gestacional, acesso ao pré-natal ao leito obstétrico e principalmente rememorizando condições de assistência ao parto e a chance-probabilidade das lesões ao nascer ... e o acesso obtido a esclarecimentos e orientações;
  • ·      Adulto suicida ou alcoolista - conviver com a diferença no Cecco pressupõe considerar o desemprego, a decepção no amor, a auto-estima ... e o desespe­ro, a fuga;
  • ·         Criança de rua - conviver com a diferença no Cecco pressupõe considerar a mi­gração, a exploração de mão de obra barata, a expulsão da escola, a fome, a violência, o abandono, o aliciamento, a corrupção e a aventura da "pseudo-liberdade" ... concorrendo para a desconfiança, a formação de guetos e a insensibilidade afetiva relacional-reacional;
  • ·         Idoso hipertenso. choroso - conviver com a diferença no Cecco pressupõe considerar o papel social da velhice caracterizado pela desqualificação, improdutividade, abandono, institucionalização ... carência de afeto, psicossomatiza­ção, solidão".
A convivência não poderá se furtar à leitura de mundo, a visão de homem, a história de cada um será a partir do que está fora: arte, música, o esporte... que cada um poderá aos poucos falar (em diversas linguagens) do que está dentro, desde potencialidades até preconceitos, dores, culpas e sonhos, para novamente como numa espécie de espiral retornar ao fora e olhar sob outro ângulo através de outros instrumentais, talvez mais coletivos. Invariavelmente surpreendendo-se modificado em busca do delicado discernimento, incômodo necessário, entre a desigualdade e a diferença.

Considerações para operacionalização:

O planejamento específico, execução e avaliação diária destas atividades deverão ser feitas conjuntamente pela equipe técnica, oficineiros, voluntários e usuários.

As oficinas a serem oferecidas deverão atender fundamentalmente a demanda da população, devendo os recursos humanos e materiais se adequarem a tais necessidades. Embora algumas atividades despertem particular interesse de um grupo (por idade, sexo, característica de deficiência ou limitação, condição social, etc.) as mesmas não devem ser restritas a estes segmentos de pessoas. Todas as atividades devem estar abertas a qualquer usuário que possa se interessar por elas.

Deve ser observada a norma que propõe indicativamente um índice percentual para a garantia de heterogeneidade dos grupos-oficinas. (vide Metas).

Cabe à equipe técnica estar atenta aos diferentes interesses, possibilidades e limitações dos usuários, bem como estimular e favorecer a integração orientada ao grupo e a atividade.

Importante ressaltar uma cadeia na dinâmica das oficinas a ser observada a fim de não correr riscos, da ordem:
. Atividade pela atividade
. Descompromisso na vinculação
. Usuários submissos (pacientes) a um dado movimento técnico

Para tanto, deve-se considerar o processo de constituição e desenvolvimento de uma atividade enquanto processo grupal, estimulando e acompanhando a característica da interação, troca e comunicação que se estabelece entre os elementos do grupo e o produto final desta atividade.

É imprescindível a sensibilidade e a escuta para decodificar as senhas que facilitam ou não a participação de determinadas faixas etárias ou funcionam como "iscas" para determinados segmentos. Decodificar estas pistas contribui para uma melhor compreensão das especificidades dos vários segmentos, estimula a empatia e a criatividade em atingir a ampliação de participação. Pressupõe, portanto pesquisa, estudo e planejamento cuidadoso.

Destacamos alguns exemplos mais comuns de "linguagens-senhas-iscas" facilitadoras de aglutinação inicial de determinados grupos: Dança de Salão; Artesanato; Roda de Conversa (histó­rias, casos, receitas, poesias); Tai-Chi-Chuan; Capoeira; Atividade de Circo; Leituras de Contos Infantis; Jogos de Mesa; Caminhadas; Brincadeiras Infantis; Ginástica; Música; Coral; Relaxamento; Ioga; Ikebana; Origami; Cerâmica; Cozinha Experimental; Horta; Jardinagem; Plantas Medicinais e Ornamentais; Trabalhos Manuais (tricô, crochê, corte e costura); Tear; Papel Reciclado; Sucata: Teatro; Bonecos-Fantoches; Marcenaria; Cartonagem; Confecção de Máscara,- Pipas e Instrumentos Musicais; Macramê, Argila; Jogos Esportivos; Massagem; Danças Populares e Folclóricas; Bocha: Artes Plásticas; Pintura; Expressão Corporal, etc.

Deve-se cuidar e direcionar para que algumas oficinas, que por sua característica, propiciam um se constituir enquanto embriões de núcleos de trabalho-cooperativas possam ser desenvolvidas por iniciativa do Cecco, como é o caso:
por exemplo: da marcenaria, hortas, jardinagem, tear, cozinha, artesanato, cartonagem, pa­pel reciclado, etc.

Toda oficina-atividade deverá contar com a participação atuante (não apenas de observador ou de provedor de infra-estrutura) de 1 (um) profissional do corpo técnico enquanto suporte específico ao oficineiro e/ou enquanto próprio coordenador.

As atividades Eventuais como palestras, passeios, assembleias, festas, participação em eventos comemorativos, feiras culturais, etc., são assim denominadas por não se constituírem ativi­dades diárias, entretanto devem ser fruto da discussão e organização conjunta através da comissão gestadora. Salientamos o grande valor destas atividades que avançam para um espaço ainda menos protegido, pela sua amplitude pública, como o são os cinemas, os passeios em ônibus comuns, às feiras. a padaria, o mercado, a praça, o teatro, os eventos culturais, o zoológico, onde a questão da cidadania do diferente pode e deve ser escancarada afim de tensionar e provocar novas conquistas contratuais com a mesma "mater-sociedade", genitora das desigualdades.

NÚCLEOS DE TRABALHO – COOPERATIVAS

... Subiu a construção como se fosse máquina. Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/Tijolo com tijolo num desenho mágico. Seus olhos embotados de cimento e lágrima ... Sentou pra descansar como se fosse um pássaro e flutuou no ar como se fosse um príncipe ...
Chico Buarque

Cabe a equipe do Cecco estimular, facilitar e promover a formação de núcleos de trabalho cooperado entre seus usuários, objetivando a retomada de participação no mundo do trabalho e numa dada produção: de bens, de serviços, de conhecimentos regidos pelo princípio da convivência e da cooperação.

Entendemos por princípios de convivência e cooperação, fundamentalmente uma nova qualidade de relações marcando contratos afetivos e de trabalho, ou seja, a decodificação do que são consideradas limitações e deficiências - em diferenças, e esta heterogeneidade gerando produções conjuntas, concebendo assim as pessoas num novo patamar de concepção de homem e de mundo.

Ao reorientarmos códigos estigmatizantes com função social estabelecida na direção da alienação, facilitadora da exploração e da manutenção da relação dominador-dominado, introduzirmos uma possibilidade de também re-significarmos o olhar sobre cada um de nós e sobre um coletivo, relativizando parâmetros de potencialidades e limitações de cada um, portanto identificando-as de forma não globalizante na vida dos indivíduos, enquanto determinantes prévios do fracasso ou êxito e sim enquanto características a serem questionadas, respeitadas e consideradas no momento em que atividades de convívio e de trabalho forem se estabelecendo.

Deverá assim ser estimulada a manifestação das potencialidades e a utilização destas na relação com o mundo do trabalho. Caracterizando as limitações e/ou dificuldades enquanto parte de um indivíduo e não a própria identidade deste. Superar "a prioris" culturais impeditivos a novas conquistas, delegando ao desejo e a iniciativa o poder de alterar pressupostos aparentemente inquestionáveis

por exemplo: uma pessoa portadora de deficiência física, membros inferiores, que utiliza ca­deira de rodas para se locomover, decide desenvolver a capacidade de dançar. Estimular sua participação em atividades de dança deverá proporcionar funda­mentalmente, a oportunidade de reorientação do conceito de dançar, rompen­do padrões pré-estabelecidos.

Ninguém é deficiente mas antes "porta" ou está acometido de uma determinada "não eficiência", para determinada ação ou tarefa, o que na verdade muitas vezes pode analogamente significar diferenças da ordem das vocações. Portanto o mais "eficiente" poderia ser o mais vocacionado a desenvolver determinada tarefa. Há que se estimular as eficiências às não eficiências a fim de ampliar chances de vida e de prazer aos indivíduos.

Consequentemente Os núcleos de trabalho, embriões de cooperativas se desenvolverão enquanto espaços de construção conjunta, complementar e somatória no investimento de força, disponibilidade e "vocação-eficiência" de cada um na produção de algo coletivo e não alienado, tendo como pano de fundo a discussão das condições de trabalho (processo, organização, ambiente) enquanto determinantes do sofrimento mental.

Assim a cooperação se inscreve no processo do Cecco como característica principal de identidade, ou seja, será através da colaboração, do afeto, do respeito e do investimento somatório que se chegará a uma produção coletiva. A produtividade competitiva, o trabalho repetitivo, a não apreensão do processo de forma globalizante e a não apropriação deste em sua organização desenvolvimento, aspectos característicos de um processo-organização de trabalho alienante, explorador e gerador de sofrimento, que deverão ser mais que evitados, deverão ser combatidos e constituir objetos de discussão explícita nos núcleos de trabalho.

A cooperação, por sua vez, sustentando a estrutura de produção. possibilitará que cada indivíduo contribua com o seu montante máximo de qualidade num contrato grupal de condições "homogéneas" de disponibilidade, investimento, responsabilidade..., homogeneidade balisada pelo repertório-medida-máxima de cada um, manifestada através do compromisso individual.

Assim cada um produzirá um dado produto, fruto de discussão e definição prévias acerca de um resultado a ser construído solidariamente a partir da contribuição do melhor de cada um na dada construção. Consequente e coerentemente com estas considerações e pacto, a divisão do lucro deverá ser igualitária, quando da comercialização deste produto coletivo.

Por exemplo: Em 03 (três) dias de núcleo de trabalho - cooperativa um indivíduo, por suas características e limitações produziu 02 (dois) objetos da melhor forma que lhe foi possível e outro indivíduo produziu 05 (cinco) objetos, também da melhor forma que lhe foi possível, no mesmo grupo sob as mesmas condições de recursos de infra estrutura disponíveis, utilizando o mesmo tempo para execução. A divisão do lucro na venda destes produtos será igualitária, mesmo porque não se tratou de um contrato grupal competitivo e centrado na produtividade.

Portanto, o termômetro sinalizador deste processo e contrato de trabalho, reside justamente na homogeneidade de direitos em respeito às diferenças expressas muito mais na forma do que na essência dos deveres viabilizadores da produção conjunta. Testemunhamos assim um verdadeiro exercício de democracia e convivência responsável e indiscutivelmente muito mais difícil por sua característica contra hegemônica.
Nos núcleos de trabalho-cooperativas, diferentemente das oficinas de convivência, onde o produto final não é o mais importante, onde não há a comercialização e onde o contrato é feito objetivando outras metas, a participação dos usuários pertencentes à população alvo (acometi­dos de transtorno mental, portadores de deficiências em geral, idosos, crianças e adolescentes de rua, portadores de necessidades especiais) poderão se dar em agrupamentos independente da observância das mesmas taxas percentuais a serem cuidadas na composição das oficinas de convivência, com relação à população "tida normal", pois a dificuldade de inserção no mundo do trabalho é maior com os estigmatizados, portanto deverão ter prioridade, mas não necessariamente exclusividade nas cooperativas.

Os agrupamentos poderão se dar associando necessidade de trabalho - desejo de desenvolvimento de determinada habilidade - resposta a determinada carência territorial

por exemplo; grupo de senhoras que desejam aprender a confeccionar pães diversos, roscas e identificam na região a distância da padaria existente para os potenciais con­sumidores.

Deverá, portanto caber ao Cecco esta delicada tarefa de facilitar a associação destes aspetos e a definição do tipo de cooperativa em conjunto com os usuários, não obstante, observando as condi­ções locais da unidade em poder favorecer o desenvolvimento da determinada opção.

Assim os Cecco's funcionarão como "Laboratórios provisórios" deste ofício de convi­vência-cooperativa com a ajuda e vigilância do corpo técnico, principalmente na discussão de 04 (quatro) pontos fundamentais:

1)        Concepção de trabalho, de lucro, de capital, de cooperação e convivência.
2)        Papel do Serviço Público enquanto facilitador inicial deste novo modelo.
3)        O investimento em Economia-Popular.
4)        Autonomia de Gestão e assessoria técnica do Cecco.

Laboratórios Provisórios, fundamentalmente, no que se refere à economia popular, autogestão e constituição de cooperativa, ou seja, aqui entra em cena o papel do Serviço Público. Num primeiro momento caberá ao serviço público oferecer material necessário ao desenvolvimento dos núcleos de trabalho, embriões de cooperativas

(por exemplo) sementes, adubo, espaço para a viabilização de hortas, quando da produção das hortaliças; caberá aos técnicos coordenar as discussões sobre o que fazer com a produção: consumir parte no próprio Cecco, dividir terça-parte com quem plantou para consumo particular e a parte restante vender? ou a venda somente das cenouras e o consumo da couve,?

Ou

(por exemplo) papel, tinta, cola, tesoura, plástico, cera, para a confecção de cartões e a co­mercialização destes, por exemplo, por ocasião do Natal.

Seja qual for a iniciativa todos terão o primeiro investimento favorecido pela unidade pública, sendo que a comercialização implicará na "devolução" deste investimento na forma de materiais de consumo para outras atividades de continuidade dos núcleos de trabalho, e a diferença de dinheiro recebido ser a possibilidade concreta de se exercitar a divisão igualitária de remuneração ao trabalho cooperado.

Mesmo quando de materiais doados, muito comum de ocorrer nos Cecco's, o raciocínio deverá ser o mesmo de utilização, reinvestimento e possibilidade de remuneração igualitária. Daí denominarmos laboratório pela característica experimental e de laboratório-ensaio de um modo singular de associação, produção e emancipação gradativa, daí a provisoriedade do ensaio-experimento.

Esta passagem inicial para a constituição do grupo com identidade na tarefa, pactos claros e iniciação na própria coordenação e condução das discussões será o sinal da sua caracterização enquanto cooperativa propriamente, sinal também da possibilidade real de desligamento do serviço público e apropriação de outros espaços de forma autônoma, enquanto sujeitos em defesa da própria liberdade, autonomia e dignidade (por exemplo) saída para a construção de hortas em terrenos cedidos pelo governo, ou em terreno próprio.

O montante inicial de dinheiro para fazer movimentar este empreendimento fora dos muros do serviço público deverá ser fruto das primeiras iniciativas nos núcleos de trabalho no Cecco, com lucro dividido e parte ou integralmente aplicado a fim de constituir "fundo-capital" para eman­cipação e incentivo em economia popular. Este tempo processual também deverá colaborar na definição, conjunta e assessorada, de normas, objetivos, investimentos e organização da nova quali­dade de associação à luz da cooperação e da convivência.

O papel do corpo técnico será de inestimável importância para a leitura da dinâmica das relações, no estímulo a solidariedade, na abordagem crítica frente ao mundo do trabalho que irá sendo constituído. Deverá assessorar a experiência de re-significado de autonomia e dignidade, durante o tempo que for necessário ou solicitado, mesmo fora da unidade pública nas cooperativas auto-geridas e expandidas.

Como incentivador do regime de economia popular o Cecco não promoverá convênio com fábricas, indústrias, etc. mas antes priorizará estímulo e assessoria ao consórcio de usuários na construção e invenção de suas formas de produção.
Em se tratando de população alvo, principalmente os acometidos de transtorno mental, o valor na efetivação deste contrato associativo constitui fator fundamental a sua resingularização, ou seja, o resgate da valorização, do exercício de cidadania quando da apropriação, pelo então estigma­tizado, do seu poder de troca, de barganha, de compra e venda, de voz, vez e voto no jogo social.

COMUNICAÇÃO, DIVULGAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR

É indicado que 01 (um) técnico em cada Cecco seja responsável pela coordenação e educação popular sobre a proposta e a vida diária do Centro de Convivência e Cooperativa.

Deverão ser constituídas em todos os Cecco's oficinas de jornal e comunicação com os usuários para a confecção de seus próprios boletins que possam ser utilizados como subsídio aos usuários novos, aos visitantes e mesmo como veículo de comunicação interno ao serviço e externo com a comunidade em geral e os equipamentos sociais.

Estas oficinas deverão possibilitar a confecção de outros elementos de comunicação e difusão de produções literárias, poéticas,... dos usuários, que promovam a manifestação da memória-histórica territorial através de murais e painéis de poesia, cordéis, gibis, crônicas, contos infantis, memória-oral e transcrição em manual do local - cantigas de roda, brincadeiras, uso de ervas medicinais, estórias da história local, história da história -.....
Os núcleos de comunicação alternativa como jornal, rádio, da região em que se insere o Cecco, os grandes jornais locais, os núcleos de comunicação e imprensa dos distritos de saúde ..., deverão constituir contatos sistematizados dos Cecco's afim de favorecer o intercâmbio e a difusão das idéias, das produções dos Cecco's e da viabilização de uma Cultura Antimanicomial contra-he­gemônica.

Deverá constituir atividades dos Cecco's a realização de festas, feiras, debates, sóciodramas-públicos ... Em elaboração conjunta com movimentos sociais e entidades locais, que venham a somar com os eventos próprios, folclóricos ou não, de determinada região em que está inserido ou mesmo que venham resgatar identidades locais adormecidas (por exemplo concentração de nordestinos, interioranos ou imigrantes italianos, espanhóis...), inovando com propostas impulsionadoras de aglutinação e participação destes e outros moradores locais (por exemplo através de atividades de rodas de ciranda, quadrilhas e fogueiras, festa da macarronada, do tango e do sapateado..).

Deverá constituir atividades dos Cecco's a coordenação dos eventos comemorativos relativos a semana de luta antimanicomial por ocasião da comemoração do Dia Nacional de Luta ­18 de maio - e a participação e divulgação das atividades comemorativas a nível da cidade.

ALIMENTAÇÃO X ATIVIDADES COM ALIMENTOS

Considerando-se o Cecco como um espaço aberto que não responde a “guarda" de seus usuários, guarda entendida como urna característica de rígida disciplinarização institucional, visto que a permanência e continuidade do usuário pode ser, muitas das vezes, determinada pelo interesse e desejo do mesmo;

Considerando-se a importância da construção coletiva de experiências de convivência onde o processo de conhecimento, produção, cuidado possa ser fruto de um confeccionar conjunto entre usuários e técnicos;

Entendemos que a questão da alimentação merece urna reflexão de seu papel neste
contexto.

Ao analisarmos a importância da comida na vida das pessoas como expressão da própria sobrevivência, identificamos a ligação do ato de alimentar-se ao ato de manter-se vivo, expressão ultima de auto-cuidado, não necessariamente auto-estima, mas inevitavelmente preservação de vida.

Num "ritual" mecânico e diário de ingerir alguma coisa para saciar a fome ou mesmo para cumprir, um horário determinado culturalmente, é mais difícil se observar o processo do alimentar-se associado à convivência no agrupamento de pessoas como observamos em grupos de colegas de trabalho ou de adolescentes que se juntam para lanchar, para um café... e fazem daquele momento um verdadeiro encontro de trocas, de manifestação de ideias, afeto e prazer.

A alimentação é a senha mais comum e primitiva que favorece o agrupamento de pessoas e aproximações íntimas.

Entretanto também é a alimentação um fator sinalizador das carências e das desigual­dades sociais a que está submetido um povo, por ser uma necessidade básica dos seres vivos, portanto acesso a ela constitui um direito de cidadania e um pressuposto à vida.

Assim, pensar em alimentação num espaço como o Cecco. onde a convivência entre os diferentes busca suscitar questionamentos e reflexões sobre as desigualdades, sobre a cidadania e busca acima de tudo favorecer a organização das pessoas e sua auto-estima, pressupõe pensar a alimentação como um instrumento tri-disparador:

ü  . Disparador de reflexão do papel social que o não acesso ao alimento, diversificado e de boa qualidade, representa para o desenvolvimento dos povos;
ü . Disparador de reflexão crítica sobre o manejo paternalista-assistencialista utilizado pelas instituições, e suas consequências no comportamento e na formação de opinião dos indivíduos;
ü . Disparador de "produção de auto-estima e solidariedade", propiciando um exercício simples e original de cuidado de si e do outro, reproduzindo, revivendo e recriando experiências absolutamente comuns a todos os indivíduos.

Este jeito de olhar o ato da alimentação nos remete a um cenário muito diferente do conhecido cenário institucional assistencialista que apesar de necessário, resguardadas as circunstâncias, a forma e o-momento histórico, aqui não está em avaliação de mérito, pois efetivamente, em sua essência; colide com as intenções dos Cecco's que deverão cuidar para direcionar e explicitar uma construção-processual-crítica de alimentação muito mais enquanto atividade com alimentos do que compromisso sistemático de prover refeições. Devendo tais atividades se constituirem enquanto consequência, entre outras, de um dado trabalho conjunto.

Assim caberá aos técnicos dos Cecco's trabalharem junto aos usuários o valor das hortas e canteiros, desde a descoberta da terra, o conhecimento de seu cio, do seu temperamento associado ao tempo das estações, ao tempo do sol e da chuva.

Conhecendo a terra seu pulsar e limitações, poder reconhecer nela e se aventurar enquanto transformador desta mesma terra.

A responsabilidade no cuidado, o acompanhamento no processo de mudança da semente, a tarefa coletiva não taylorista na construção do produto final, serão elementos essenciais à confecção de uma comida cujo sabor tenderá a ser muito singular;  não pelo segredo de cozinha na "pitada esperta" do sal, mas antes pela característica do contrato coletivo, onde as diferenças associam-se em suas limitações e possibilidades solidariamente efetivando uma produção.

Assim as hortas e os pequenos canteiros poderão cumprir também este papel de auxiliador da alimentação nos Cecco's.

Entendendo, entretanto, que este cultivo é simbólico do processo de alimentar-se, posto que não será possível o plantio de todos os ingredientes ou mesmo da maioria destes para a preparação de uma sopa ou outro prato qualquer.

Portanto deverá ocorrer previsão orçamentária onde se garanta a compra de alguns ingredientes básicos que auxiliem na viabilização de uma sopa diária ou almoços coletivos semanais, saladões, mexidos, sucos, chás, etc.

Vale ressaltar que tanto o plantio, a colheita, a preparação do alimento e a transformação deste num dado "prato" deverá ser a tarefa dos próprios usuários com a colaboração e sob a orientação de técnicos da equipe do Cecco, a fim de poderem vivenciar a formação da coisa viva, a sua transformação e a sua utilização para preservar outras vidas, numa cadeia simples mas que exige dedicação, trabalho conjunto e disponibilidade.

A horta é apenas um exemplo, apesar de reconhecida e altamente facilitadora do processo descrito, assim como também impulsionadora de outras aquisições onde esta experiência poderá ser pré-requisito, como a formação futura de núcleos de trabalhos cooperados na produção e venda de alimentos de cozinha alternativa, de hortas comunitárias,..

Entretanto onde não for possível o desenvolvimento das hortas poderemos pensar na transformação de alguns produtos básicos, em oficinas dirigidas preparando alimentos simples, visto que o importante é a experiência em confeccionar processual e coletivamente alimentos, símbolos concretos de sustentação de vida que proporcionem a vivência do cuidar de si e de outrem.

Assim exemplarmente, apenas com a existência de pães doados poderemos com alguns ingredientes mais e um forno de barro transformá-los em bolinhos, pudim de pão, etc. Ou mesmo com "todinho" de pacotinho e frutos servidos nos Centros Esportivos transformá-los em chocolate quente de bule, salada de frutas, torta de frutas, sorvete de chocolate ... Ou ainda promover almoços comunitários onde além do que se produziu coletivamente possam se somar contribuições trazidas da casa de cada usuário e funcionário, possibilitando um alimentar-se em conjunto, um encontro comunitário.

Finalmente cabe ressaltar que não será atribuição da unidade fornecer alimentação de forma sistemática e assistencialista, portanto, não deverá ter em seu quadro de lotação de pessoal cozinheiros ou auxiliares de cozinha. Não obstante deverá incluir em suas listagens de recursos materiais permanente e de consumo: fogão, geladeira, armários, pia, gás, panelas, utensílios, ingredientes alimentares diferenciados, segundo a realidade de cada Cecco. Deverá ser viabilizada a construção de forno de barro para a confecção não só de massas em geral (bolos, pães,...) como de queima de barro para oficinas de argila, e outras.

REUNIÕES

REUNIÕES INTERNAS

REUNIÕES DE EQUIPE - onde deverão ser planejadas e avaliadas as ações gerais do Cecco, discutidas as relações de equipe, as dificuldades do trabalho, aspectos pertinentes à população alvo; apontadas as propostas e mudanças a serem encaminhadas a comissão gestora; discutidas questões técnicas, distribuídas as tarefas: comunicados os informes do CTA distrital, dos encaminha­mentos da comissão gestora, informes gerais pertinentes, etc.

Deverão participar destas reuniões semanais todos os profissionais do Cecco e de outras secretarias presentes no dia a dia do serviço (por exemplo professores de SME, agentes culturais de SMC desde que prestando serviços no Cecco). Poderão participar das reuniões os oficineiros e os voluntários.

REUNIÕES DA COMISSÃO GESTORA - onde deverão ser apreciadas as propostas de planejamento da atividade do Cecco, as dificuldades rotineiras, de relação intersecretarial; as demandas dos usuários, dos funcionários e da administração, a fim de serem avaliadas e encaminhadas de forma deliberativa.

Deverão compor a Comissão Gestora de forma paritária representantes da população usuária, dos funcionários, o Coordenador do Cecco e representante de outras Secretarias Municipais ou Movimentos Sociais que estejam ativamente participando da vida diária da unidade.

REUNIÕES EXTERNAS

REUNIÕES ADMINISTRATIVAS - a equipe ou um representante deverão participar de reuniões administrativas convocadas pelo nível regional, local ou central, desde que avisados com antecedência, por memorando ou ofício, caso contrário deverá ser responsabilidade do coordenador avaliar e responder pela saída de membros da equipe.

REUNIÕES DOS GRUPOS DE TAREFAS - deverão ser incentivados Os espaços de discussão e aprofundamento sobre o dia a dia de construção do projeto - Cecco, através de grupos-tarefa, ou seja, encontros no nível central de representantes de funcionários e coordenadores de todos os Cecco's sob a coordenação de SMS, afim de estudarem, aprofundarem conceitos e através do cotidiano irem trocando e estruturando melhor as ações nas cooperativas, oficinas de convivência etc. Indica-se que estas ocorram quinzenalmente, na forma de comissões de trabalho.

Como atribuição dos grupos tarefas conjuntamente- com a comissão intersecretarial, fica indicada a realização de Encontros Abertos anualmente para se discutir a realidade diária dos Cecco's, cumprimento de metas, o impacto do serviço frente à Política Manicomial, a coerência com os princípios teóricos, éticos, ideológicos do projeto no cotidiano das atividades, a real apropriação e participação da população na execução diária, o investimento do intersecretarial, etc. Os encontros deverão ser organizados e abertos a vários segmentos: Funcionários de Saúde em geral, Usuários dos diversos Serviços de Saúde Mental, Movimentos Sociais, Entidades, Comunidade Científica, interes­sados em geral e o Governo Municipal.
As indicações de tais Encontros-Seminários deverão em forma de relatórios subsidiar deliberações sobre os rumos do Projeto.

FORUM DISTRITAL E/OU REGIONAL - indica-se a necessidade de se investir em reuniões quinzenais na forma de Fórum de Saúde Mental, aberto a todos os profissionais de saúde interessados na questão mental, juntamente com o segmento populacional representado nos Conselhos Gestores, a fim de discutirem integração de serviços e ações, fundamentalmente viabilizando o processo de referência e contra-referência, vital ao bom funcionamento do Cecco e a consequente­mente desmistificação de seu papel no Modelo Antimanicomial.

CURSOS, SEMINÁRIOS, SUPERVISÕES - a participação em cursos, palestras, seminários e supervisões visam o aperfeiçoamento do profissional e portanto do trabalho que está sendo desenvolvido na unidade, devendo ser oficializada a liberação pelo coordenador junto ao Distrito de Saúde sem prejuízo do serviço.

POPULAÇÃO ALVO

"De perto ninguém é norma!"
Caetano Veloso

Compreendemos por população alvo os segmentos populacionais com menores chan­ces de vida, vida "física e psíquica", nosso olhar deverá, portanto incidir sobre as "chances" de manifestação de subjetividade, de autonomia, de cidadania.

Alvo deverá significar tão somente o nosso ponto de mira, nosso objeto primeiro e mais delicado, para onde deverão convergir esforços, planejadamente.

Identificamos que estes segmentos populacionais com menores chances têm sua iden­tidade marcada pelo estigma que marginaliza e segrega, anulando possibilidades de convivência e troca, impedindo que a sociedade se incomode com estes seus "produtos", como o são destacadamente os indivíduos acometidos de transtorno mental, os portadores de deficiência, os idosos, as crianças e os adolescentes de rua ...

Assim num lugar como o Centro de Convivência e Cooperativa onde se pretende a aproximação e troca de pessoas diferentes que possam reivindicar e conquistar chances de vida iguais, estes segmentos da população deverão ter seu acesso mais do que facilitado, diríamos garantido.

Caberá, portanto, ao corpo de profissionais o constante trabalho de localizar esta população, proporcionar fluxo dos serviços municipais, movimentos, entidades, a fim de convergir para a convivência em espaços públicos os indivíduos propositadamente afastados do convívio e depositados em clausuras domiciliares ou institucionais.

Não significa com isto que deverão, por ser alvo, serem exclusivamente o único objeto de preocupação. Deverá constituir preocupação fundamental Os usuários que correspondem ao segmento populacional classificado como "normal", pois a dialética se fará aí neste encontro dos dois tipos de segmentos populacionais: os tidos normais e os desiguais para em esforço conjunto de convivência e cooperação, sob o cuidado técnico, transformarem-se num único alvo - os diferentes -.

A equipe técnica atentará para propiciar condições favoráveis ao acesso, a inserção e ao convívio destes vários segmentos. Entretanto, sempre vigilante, à convivência dos "diferentes" e não dos "iguais".

Iguais enquanto homogeneidade de identidade firmada a partir do aspecto que justa­mente diferencia alguns segmentos populacionais.de outros supostos normais, e portanto, "suposta­mente" indiferenciados - pressuposto dos guetos.

Assim ao observarmos agrupamentos por patologia ou condição: drogados, idosos, deficientes, pobres, famintos, abandonados na rua, ... enquanto as senhas dos agrupamentos promovidas pela organização do serviço, identificamos que estas características qualitativa e ideologicamen­te funcionam como sinais de marginalização para a exclusão de um dado convívio. Se consideradas tais características como aspectos de vida percebemos que os indivíduos podem se agrupar a partir de outras senhas, a tarefa, por exemplo, se agrupam independente e apesar destas características “'marginalizadoras"; um exercício de individuação.

Em outra vertente de homogeneidade observamos a senha que aglutina utilizando o acesso aos privilégios, a bens e a uma qualidade de inserção social - pressuposto da elitização.

Ambos os pressupostos sinalizados atuam como fomentadores da cultura manicomial. ou seja, o caldo de valores e pensamentos sociais vigentes que escorre instigando relações de diferenciação pelo estigma e não pela idiossincrasia.

Portanto, não há de persistir dúvidas quanto a definição de população alvo: compro­misso de sensibilidade em atrair e facilitar inserção responsável do que priorização na prestação de serviço marginalizador e muitas vezes alienante.

Foram os próprios movimentos organizados de pessoas portadoras de deficiências, idosas, etc. que reivindicaram no processo da história atual a necessidade da convivência dos diferentes em busca de um patamar de igualdades de direitos, questionando e re-significando o conceito de normalidade.

Portanto, será de vital importância, os Cecco's não se constituírem em espaços especí­ficos ou exclusivos de doentes, deficientes, marginalizados, mas antes e fundamentalmente em espaços de encontros a partir das tarefas-facilitadoras, encontros promocionais de uma verdadeira contra-cultura de convivência em novas consignias de relações humanas.

AÇÃO TERAPÊUTICA X AÇÃO ASSISTENCIALISTA:

"Uma coisa perdurará, que é a relação do homem com seus fantasmas, seu impossível. sua dor sem corpo, sua carcaça noturna: e, uma vez colocado o patológico fora de circuito, a sombria vinculação do homem à loucura será a lembrança intemporal de um mal desaparecido em sua forma de doença, mas­ que sobrevive como infelicidade"
Michel Foucault

"Toda espécie de amor é um descanso para a loucura"
Guimarães Rosa

Há que se inscrever "a lei" enquanto função que localize o "homem" dentro de seus limites de expressão de si, enquanto sujeito coletivo.

Haverá um tempo em que a função de dar voz e significado ao código interno "inconsciente" não será mais atribuição dos "facilitadores-exclusivos" que podemos denominar os "pensadores de dentro" (psis), mas certamente o mundo poderá se instrumentalizar em seu cotidiano-relacional para fazê-lo de maneiras diversas e inventivas na busca maior de um resignificado de papéis, sentimentos, impressões e manifestações de subjetividades.

Como aponta Guatarri, a ressingularização que carece de instrumentais também singulares, apesar do arcabouço técnico-teórico indispensáveis, se processará independente dos aventais brancos, ou seja, independente de um modelo médico de compreensão e abordagem do fenômeno: sofrimento mental.

Somos convidados, pois, a um exercício reflexivo com o projeto Centro de Convivência e Cooperativa em que condiciona aos que se lançam a ele, um desvencilhar de preconceitos e de proposição técnicas cristalizadas na abordagem do sofrimento humano.

Assim:

Em não se tratando de um serviço de encontros "free-lance", descompromissados em lazer contemplativo e absorto;

Em não se tratando de mais um exemplar de depósito de discriminados, em massas homogêneas, pelos suas desqualificações;

Em não se tratando de um serviço que vise explorar intencional e demagogicamente a produção do "tido desqualificado" para exibi-la como o "fruto belo do ventre-lixo";

Em não se tratando de uma versão maquiada e modernizada de instituição de guarda e assistencialista desenvolvida em espaços manicomiais, marcados pela violência da disciplinarização vigiada;

Em não se tratando de invenção de serviço para garantia de emprego a "malabaristas “-profissionais comprometidos com a lógica hegemônica de centralização de poder e autonomia estritamente técnica;

Em não se tratando de aventura experimental em negar o saber técnico e a responsa­bilidade do serviço público de saúde referenciado, sobre a saúde dos indivíduos;

Em não se tratando de descientificizar a ação terapêutica inscrita em novo setting;

Em não se tratando de mitificar ou converter em espaços mágicos a possibilidade resultante de transformação das chances de vida dos indivíduos marginalizados;

Em não se tratando de concorrer setorialmente à autoria da reinvenção de novas formas de fazer saúde;

Vamos identificando oportunamente, após afirmativas elencadas, um contorno simples e bastante original que indica ao Centro de Convivência e Cooperativa o papel de colaborador diferenciado no processo terapêutico dos que sofrem psiquicamente e dos que sofrem pela condição de estigmatizado. A terapêutica neste contexto se inscreve sob outro contrato, que se distancia do usualmente padronizado, tanto pela formação acadêmica quanto pela prática profissional privada e a sua fiel reprodução nos espaços de saúde pública.

As senhas que introduzem os profissionais neste lugar "desprotegido" de divã, sala de espera, distanciamento pessoal, cartões de retorno, tempos cronometrados, portas-fechadas, são senhas antigas e conhecidas que de original trazem tão somente o instrumental que utilizam para se manifestarem, pressupondo em contrapartida, interlocutores munidos de uma nova visão da prática terapêutica frente ao sofrimento psíquico.
Tais senhas deverão localizar-se no Cecco já a partir da dinâmica de relações onde a escuta, a entrada, proporcionem o acolhimento do outro e cuidem para que o afeto e a confiança processem o vínculo sob novos dispositivos contratuais, valendo-se de cenários privilegiados e comuns como as oficinas, facilitadoras de coletivização e individuação.

A leitura da fala do desejo deverá se dar associada a outras falas, corno as linguagens variadas nas oficinas-atividades, assim, longe de ser uma "laborterapia" o que deverá se processar é a terapêutica da vivência do "se relacionar", mesmo que esta se faça intermediado por urna ação que poderá ser dançar, pintar, cantar ou mesmo caminhar e apreciar um por do sol. Há de se considerar também o histórico vivencial asilar, institucionalizado ou não em cada indivíduo, a fim de que o rendimento da intervenção terapêutica possa proporcionar ao usuário do Cecco a internalização de vivências novas, de contato com os desejos próprios e alheios, e a reeducação para novos hábitos e desempenhos sociais.

Assim o que,observamos, na ação dos profissionais, é o surgimento de um novo postulado: a ação terapêutica-educativa, por sua intensidade e ampla abrangência junto à vida psíquica, a visão de mundo e ao desempenho de um novo papel social dos então marginalizados-se­gregados, e dos coadjuvantes-parceiros deste processo os "tidos normais', numa clara ação pedagógi­ca.

O terapêutico enquanto setting no Cecco, entretanto, deverá se diluir para além da oficina (tarefa circunscrita), se pretende manifesto desde a mais simples e primária vivência de circular neste espaço, de conviver com suas normas construídas conjuntamente, de se misturar em ações rotineiras e comuns como comemoração de aniversário, tomar um lanche, ir ao cinema ... sendo que nas oficinas, pela característica da problematização de questões e ações, toda retaguarda a. dificuldades no relacionamento, inadaptação ou conflito, deverão ser objetos da ação profissional-técnica.

Será no encontro do indivíduo consigo mesmo em seus ensaios de singularização. No encontro com o outro explicitamente diferente, que deverá residir à essência do terapêutico, promovendo um sentir e um pensar resignificados num processo verdadeiramente Terapêutico-Anárquico, por não se constituir enquanto psico, ocupacional, fono ... terapias em seus paradigmas mais conven­cionais.

A fim de sintonizar coerentemente com a proposição da determinação social do sofrimento psíquico, uma prerrogativa que não constitui privilégio dos acometidos por transtorno mental, toda ação verdadeiramente terapêutica deverá ser antes não alienante, não encerrada na leitura unilateral da fala dos desejos, dos objetos internos ..., mas alçar também para a leitura do "fora" problematizando o lugar e o papel social de cada um, marginalizado ou não, e de um determinado grupo.
Entretanto apesar do leque de ações e cobertura atribuídas ao Cecco, sua vocação é essencialmente de Fomentador de Saúde. Seu objeto é a vida, a chance e a diversidade de manifes­tação desta, a qualidade desta vida em movimento e em interação com outras tantas expressões de vida.

Ter a vida por objeto primeiro significa muito mais do que a preservação desta, comumente exemplificada na ausência da doença ou da assistência à doença, mas antes e fundamen­talmente é a qualidade desta vida o que está em cena em suas características mais diversas, desde o acesso a bens, a cultura, a educação, ao trabalho, a convivência, a história... até o direito de cada indivíduo se exercitar sujeito de seu próprio "destino", patamar máximo de respeito a vida, o direito de cidadania, uma espécie "rara" de saúde.

Se avançarmos na direção do concreto cotidiano do serviço poderemos nos deparar com situações que inspiram um tipo de assistência não à doença, mas de proteção à vida, esta mesma vida protagonista primeira do Cecco.

Trocando em miúdos será comum até como parte, esteriotipada ou não, da identidade do estigmatizado-segregado, se apresentarem ao convívio acompanhados de diferentes "elementos", que por sua concretude e sinal absoluto de "miséria e risco", introduz não só a possibilidade de reflexão acerca de seu significado simbólico ou não, na ordem da auto-estima, de expressão de abandono e animalização ... mas inevitavelmente introduz o risco real de convivência pelas características concretas não subjetivas, impeditivas ao franco convívio humano.

Assim o usuário da população alvo, principalmente, que se apresenta

(por exemplo) com piolhos, unhas compridas e sujas ... e de certa forma provoca no grupo rea­ções de afastamento, comunica uma mensagem que precisa ser decodificada e não psicologizada ou negada, desde dificuldade concreta de cuidado, até difi­culdade da ordem da auto-estima.

Entretanto seja no nível do grupo de usuários, seja no nível do corpo técnico as ações deverão ser tão concretas quanto à situação exemplificada.

ü  Como realizar tal ação sem perder o caráter terapêutico-educativo e sem recair na caracterização assistencialista?

A opção poderá ser de transformar as ações em atividades onde a tarefa focal possa ser, por exemplo, o cortar a unha, o limpar os cabelos, o escovar os dentes, ... o cuidado de si e do outro, na forma de oficina que discuta estas questões em suas necessidades, dificuldades e significados onde todos participem inclusive os profissionais técnicos; e/ou ainda a opção poderá ser dos profis­sionais do Cecco investigarem e proporem intervenções da própria família, problematizando a questão com eles no espaço do Cecco ou no domicílio.
Outra situação exemplar e também impeditiva de convívio numa outra ordem, poderá ser descrita pela necessidade de:

(por exemplo) viabilizar a feitura de carteira de identidade, companhia para ir ao banco rece­ber direitos, para ir ao tratamento na UBS, dar encaminhamento a questões ju­diciais, participar do Coral-Cênico da Saúde Mental, conseguir vaga em escola pública regular...

Além de surgirem muitos elementos de análise e compreensão da dinâmica de vida do indivíduo ou grupo de indivíduos, sem sombra de dúvidas, deverá constituir papel do Cecco e consequentemente da equipe de profissionais, a facilitação destas conquistas tanto na localização de soluções fora do Cecco e portanto devendo informá-las, quanto na disponibilidade do profissional do Cecco em desempenhar o papel deste acompanhante qualificado "provisório", também facilitador de uma conquista - das mais singulares, de autonomia e poder contratual.

O importante a ser frisado é que tanto no primeiro quanto no segundo exemplo descrito acima toda ação deverá estar revestida de valor terapêutico-educativo tanto para os usuários quanto particularmente para os profissionais, ou seja, problematizá-las e, preferencialmente de forma coletiva, buscar resposta no próprio grupo de convívio e no seio da família, quando houver.

Assim, mesmo tendo como atribuição no papel dos profissionais ações aparentemente assistencialistas e desqualificadas pela não especificidade técnica, estas assumem o caráter de senhas reais de defesa crítica da vida, que reinventem um modo de fazer saúde, fomentando o exercício de cidadania.

Entendendo o fluxo de referência e contra-referência no modelo de atenção à saúde mental, vale ressaltar que apesar das vocações complementares e não nivelares dos vários serviços, deve-se observar os princípios de equidade, universalidade, integralidade e regionalização nas ações, porém, quanto ao princípio da hierarquização não será aplicado à saúde mental. Pois bem, isto deverá significar que o fenômeno sofrimento mental nas formas mais variadas que se apresente carece de abordagens que considerem o valor terapêutico do vínculo, vínculo-referência a pessoas, local, experiências.

Consequentemente, no que diz respeito ao cecco, mesmo em momentos de crises, surto, delírios, uma outra conduta deve entrar em cena que não a burocracia do encaminhamento e a aplicação cindida e automática de um modelo de fluxo tomado ao avesso e rigidamente, desarticu­lado de afeto e de avaliação prognostica relacional-circunstancial.

Assim sendo, muitas serão as vezes que deverá constituir ação dos diversos serviços de saúde mental e particularmente do Cecco, o suporte, a continência técnica-afetiva à situação de sofrimento extremo, a orientação familiar, e/ou acompanhamento individual enquanto facilitador de participação, ocorrendo em nome de uma compreensão mais dialética do sentido do terapêutico e do assistencial, do fluxo, da referência e contra-referência da atribuição vocacional de cada serviço de atenção ... , instrumentais a serviço do bem estar do homem e não o contrário.

Deve-se, portanto relativizar preposições através do bom senso, da responsabilidade coletiva e do exercitar miúdo e diário de um, também, novo feeling terapêutico.

EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NO CECCO
(Um Ensaio a Transdisciplinariedade
)

A utopia que perseguimos com o projeto Centro de Convivência e Cooperativa é basicamente a conquista de uma nova qualidade nas relações entre os seres vivos, relações que possam estar marcadas pela expressão dos desejos e a disponibilidade em se "empatizar" com o outro em suas singularidades e diferenças.

Este tipo de conquista deverá, quiçá um dia, não carecer de corpo técnico especializado para facilitar, nada mais nada menos, do que um patamar simples, original e pouco difundido entre os "homens" que é a predisposição à fraternidade, ao encontro crítico consigo e com o mundo, a uma espécie de convivência não alienada e não discriminadora.

Entretanto consolidar esta conquista pressupõe processo lento e trabalhoso onde um corpo técnico especializado ocupa papel de indiscutível e indispensável valor.

Na mesma medida da necessidade deste corpo profissional, polariza-se um outro ponto de valor que é a especificidade e as armadilhas que esta representa, pela trajetória histórica que as disciplinas "do humano", preocupadas com a leitura das falas do mundo, travam com a ciência afim de se legitimarem; e neste vão de insensibilidade na percepção da vida acabam, por vezes, se prostituindo frente a história.

Mas deverá se apostar e investir na contribuição e na constante reciclagem dos multiprofissionais imprescindíveis a uma reformulação da saúde pública e no resgate da seriedade e resolutividade desta.

Assim, uma equipe básica de profissionais de categorias diversas, não médica, pela vocação mais promotora de saúde dos Cecco's, deverá atuar integradamente revendo posturas básicas que a academia postulou.

Não se realizarão contratos para psicoterapias, terapias ocupacionais, terapia fonoau­diológica ... mas antes e fundamentalmente a partir do singular de cada um destes lugares (de construção de conhecimentos) se desenhará um novo lugar de construção de conhecimento onde as diferentes contribuições específicas se consorciem em torno de um mesmo objeto: "a vida em convivência e em cooperação com suas multi-caras". Superar um modelo de relações e trabalho comumente vertical e compartimentalizado, constituirá adubo necessário a construção de uma transdisciplinariedade, ou seja, analogamente a convivência dos diferentes no Cecco, a conjunção de vários e diferentes saberes produzindo cooperadamente um novo saber.

Não constitui opção aleatória a composição da equipe técnica profissional deste projeto, entretanto, não podemos deixar de admitir que tais categorias não são exclusivas ou insubstituíveis. Não se faz necessária uma aventura na argumentação do porque não outras categorias profissionais, exercício insólito, mas sim na argumentação objetiva e básica do porque estas categorias.

Dentro do quadro da saúde as disciplinas que por excelência trabalham o indivíduo enquanto ser social em relação consigo (objetos internos, desejos) e em relação com o mundo (sociedade, direitos, trabalho, educação, comunicação, relações interpessoais...), foram convidadas a compor o quadro do Cecco a fim de contribuírem para a leitura e ação sobre o fenômeno do sofrimento psíquico, do sofrimento humano.

Adequando instrumentais, revendo abordagens, setting ... cada especificidade deverá contar fundamentalmente com a sensibilidade individual de cada profissional e a disposição em se alterar como pessoa a partir de um patamar de conhecimento e acúmulo reconhecidos e valorizados.

Assim num campo como o Cecco onde as diversas linguagens são as senhas facilitadoras na subjetivação de relações e trocas que ousam questionar, em exercício de análise e síntese, conceitos e preposições pré-estabelecidas na direção da autonomia e da reinserção no mundo do trabalho construindo poder de barganha .... não é difícil se tecer exemplarmente uma Liga:

ü  Entre o fonoaudiólogo e a sensibilidade junto à consígnia dada pela fala concreta, da comunicação. do cantar e se identificar com os sons que contam e reorientam histórias, posturas e relações...;
ü  Entre o psicólogo e a sensibilidade junto à consígnia dada pela fala do desejo, do subjetivo entremeando relações, do diferente e o estigma, indicando hiatos na convivência a serem amparados e lidos...;
ü  Entre o terapeuta ocupacional e a sensibilidade junto a consígnia dada pela fala construída de elementos históricos e internos manifesta na ação produtiva individual e coletiva de caráter crítico-questionador ...;
ü  Entre o assistente social e a sensibilidade junto a consígnia dada pela fala do fora, do acesso a informação de direitos e deveres, do acesso a uma compreensão crítica de um mundo normativo em movimento ...;
ü  Entre o educador em saúde pública e a sensibilidade junto a consígnia dada pela fala de uma produção de sofrimento humano, entrelaçando cadeias explicativas que introduzam a determinação social do dado sofrimento e as suas brechas de transformação ...

Este exercício em identificar as Ligas é puramente didático, estático e exemplar, visto que a dinâmica deverá ser em movimento espiral e como tal, muitos trocarão de lugar com outros e se surpreenderão em ações novas, porém, revestidas de um referencial interno e de (armação peculiares.

Caberá aos outros profissionais de apoio técnico: auxiliar de enfermagem, vigia, auxiliar administrativo da saúde, serventes ... a possibilidade também de reciclarem e se arriscarem neste espaço diferenciado de trabalho como colaboradores deste processo de re-significado das relações

OFICINEIROS E VOLUNTÁRIOS: o intersecretarial deverá tornar realidade a entra­da destes novos e importantíssimos personagens que trarão efetivamente fôlego a intervenção dos  pensadores-leitores do fenómeno humano (corpo técnico), e se agregarão na construção da transdisciplinariedade.

Caberá a estes profissionais também um repensar de suas práticas enquanto programáticas, avaliativas a avançarem para práticas fomentadoras de vivências livres que estimulem o despertar de repertórios não padronizados e referenciados, particularmente, em critérios individuais próprios, relativizando valores maniqueístas e não facilitadores de ressubjetivação corno o feio e o bonito, o certo e o errado, o bom e o ruim...

Assim, estes obreiros da arte, da música, da dança, do plantio, do esporte, da literatura, do tear, do teatro ... trarão ao alcance de todos a senha específica, em forma de linguagem solta, de instrumentais valiosos e caros a um garimpo processual: de se fazer criativo, de se fazer singular, coordenando oficinas temáticas sob o princípio da convivência, contando com o apoio do corpo técnico especializado e captando a "arte" popular-local, afim de transportá-la para a atividade da oficina, num processo de valorização do referencial do outro e de despertar de novas vocações e potencialidades.

Portanto contar com estes personagens-profissionais no trabalho diário do Cecco, impulsiona a otimização do papel da equipe técnica no trato mais subjetivo da qualidade da convivência nas atividades em geral; e traz escarradamente a beleza cia diversidade: trampolim disparador de vivências arriscadas, pelo "generoso" grau de liberdade na direção da (re)invenção.



PARTICIPAÇÃO POPULAR
(O controle social através do co-gerenciamento)

"O verdadeiro Poder segreda, em sua essência, o hábil exercício da parceria e da relativização"
I. C. L

O pressuposto básico para a definição das atividades a serem organizadas e propostas pelo Cecco é o planejamento e a avaliação conjunta entre as secretarias existentes no local (podendo ser diferente a composição em cada Cecco), a representação dos funcionários e a população usuária organizada. Compondo assim o Conselho Gestor.

Sinal expressivo de democracia, coerência com as deliberações das Conferências de Saúde e compromisso com urna forma descentralizada e popular de administrar o bem público, é o investimento aberto nas formas de Conselhos Gestores Tripartites.

Nos Conselhos Gestores Tripartites a paridade e a identidade deliberativa, acerca do planejamento, segundo características territoriais, encaminhamentos e avaliação, configuram o con­torno necessário à viabilidade do controle social sobre o serviço público.

Logo, deverá constituir prioridade por parte dos Cecco's, com a assessoria distrital, a formação dos Conselhos Gestores observando a paridade e a singularidade deste serviço onde as três partes: Administração, Funcionários e Usuários apareçam de forma pluralista, ou seja, pela natureza intersecretarial, tanto administração quanto funcionários possam vir de vários setores-secretarias diferentes, e mesmo o segmento usuário, por sua característica múltipla, pela expressiva participação de movimentos organizados, como meta, enquanto "usuários" dos Cecco's além dos individualmente representados.

Portanto, caberá em cada unidade a avaliação de seu perfil e a partir daí a adequação qualitativa na composição do Conselho.

Indicamos que pela importância da participação do segmento organizado: movimentos sociais, de entidades, outros, se realizem periodicamente (trimestral ou semestralmente) plenárias abertas que possam discutir as mesmas questões de relevância do Conselho Gestor, afim de:

ü  - viabilizarem um canal legítimo de participação de segmentos tão variados;
ü  - subsidiarem a própria discussão do Conselho Gestor na qualidade de indicadores de propostas.
O modelo adotado enquanto composição tripartite-paritária pela PMSP respeita o deliberado pelas Conferências Municipal e Nacional de Saúde a saber:
Administração................................................................
25%
Funcionários...................................................................
25%
Usuários..........................................................................
50%



ATRIBUIÇÕES DAS VÁRIAS SECRETARIAS
AUTARQUIAS, EMPRESAS ... MUNICIPAIS NOS CECCO'S

A viabilidade da abrangência do serviço que o Centro de Convivência e Cooperativa propõe está intrinsecamente ligada a ação conjunta de natureza singularmente intersecretarial, pelo pioneirismo da ação, que requer atribuições diferenciadas e explicitadas na vontade política e na previsão orçamentária de cada setor.

O Grupo de Trabalho Centro de Convivência e Cooperativa, o Colegiado de Saúde Mental e o CTA da Secretaria Municipal de Saúde acatam o deliberado pelo relatório do Grupo de Trabalho Intersecretarial: Cultura, Cidadania e Saúde Mental que discorre, entre outras coisas, as atribuições de cada segmento municipal em relação à viabilização Intersecretarial do serviço Centro de Convivência e Cooperativa, condição que visa assegurar as ações cotidianas do projeto (vide Relatório em anexo).

METAS E PERCENTUAIS INDICATIVOS PARA O FUNCIONAMENTO DOS CENTROS DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA
Composição da Equipe:
02 (dois) Psicólogos
02 (dois) Terapeutas Ocupacionais
02 (dois) Assistentes Sociais
0l (um) Fonoaudiólogo
01 (um) Educador em Saúde Pública.
01 (um) Coordenador (nível universitário)

Totalizando 09 (nove) Profissionais Técnicos em sua maioria com jornada de 40 horas/semanais

02 (dois) Auxiliares Administrativos da Saúde
01 (um) Atendente ou Auxiliar de Enfermagem
02 (dois) Serventes
02 (dois) Vigias

Obs.: Como .uma conquista técnica da própria categoria foi contemplado a nível de composição de equipe 01. (um) Educador em Saúde Pública para cada Cecco com jornada de trabalho de 20 horas/semanais.

ATIVIDADES INTERNAS

70% - das atividades deverão ser internas ao Cecco

Indicações de distribuição:
45% - coordenação ou acompanhamento de oficinas, cooperativas, atividades dirigi­das e não dirigidas (vídeo, brinquedoteca, biblioteca ou cantinho de leitura, abordagens livres)
25% - atividades de rotina eventuais: - recepção e acolhida;
ü  Entrevistas;
ü  "atendimentos" individuais ou familiares - plenárias de usuários
ü  Almoço comunitário -festas
ü   palestras
ü   reuniões internas

Taxa Percentual - indicativa de distribuição de usuários por oficina/atividades dirigidas:

População Alvo - compor 50% das oficinas/atividades

Indicação de distribuição a fim de se privilegiar os acometidos de transtorno mental:
30% - Portadores de Transtorno Mental (P.T.M.)

20% - Idosos, Crianças e Adolescentes de rua, Portador de Deficiência, Portador de Necessidades Especiais (I./CR/AR/PD/PNE)

50% - População Geral

Exemplo da média por atividade:
Oficina com 20 (vinte) participantes:
06 (seis) P.T.M.
04 (quatro) outros da População Alvo
10 (dez) População Geral

Importante ressaltar que é aproximadamente (=), pois a realidade local-territorial, o processo de implantação e fundamentalmente a sedimentação de uma nova cultura antimanicomial:

ü  - tanto nos serviços - expressas no sucesso de uma rede de referência e contra referência
ü  - tanto na comunidade - expressas na qualidade e intensidade de apropriação da coisa pública e do acesso para exercício de cidadania de usuários em geral (população alvo ou não) no Cecco;

Sinais de compreensão e convencimento de novas senhas para o relacionamento humano e cuidado da saúde, independente de taxações fixas normativas.

Sem dúvida, constituirá fruto de longo processo de trabalho, imprescindível criativo. intenso, dedicado, e não discriminador, de um corpo técnico articulado a outros profissionais e segmentos populacionais.

Portanto esta indicação em taxa percentual é puramente aproximativa, pois acima de tudo pretende ser um termômetro para garantia de não guetos (apenas doentes, ou acometidos de transtorno mental ou apenas população geral principalmente na composição das oficinas), e não constituir camisa-de-força normativa, um contrasenso aos princípios do próprio projeto Cecco.

ATIVIDADES EXTERNAS
30% das atividades deverão ser externas ao Cecco. Indicações de distribuição:

20% - Atividades com movimentos sociais e populares, entidades em geral, institui­ções de saúde, reuniões administrativas, grupos de tarefa, fóruns.

5% - Visitas e Ações Domiciliares

5% - Passeios ou Atividades Externas de Socialização (pic-nic, zoo, cinema, teatro, feira  andar de ônibus, mercado, visitas a outros Cecco's, bibliotecas, etc).

OFICINAS E NÚCLEOS DE TRABALHO - COOPERATIVAS

Caracterização em Estimativa (frequência, duração, atribuição, participação) 20 (vinte) oficinas por semana:

Sendo:

04 - (quatro) oficinas por dia (24 à 6a feira)

08 - (oito) oficineiros por semana, sendo que cada oficineiro poderá desenvolver 02 oficinas por semana sobre a mesma temática, de preferência.
05 - (cinco) Núcleos de Trabalho - Cooperativas (proposta de serem cinco núcleos diferentes com temáticas também variadas, com frequência a ser definida pelo gru­po interessado. Poderá ter frequência diária).

Média de duração das Oficinas:
02 (duas) horas de execução
01 (uma) hora para planejamento e registro/semanal

Média de duração dos Núcleos de Trabalho-Cooperativas:
03 (três) horas de execução
01 (uma) hora para relatório e discussão/diária

Média de acompanhamento ou coordenação de Oficinas e/ou Núcleos de Trabalho-Cooperativas por profissional universitário:
05 (cinco) por semana
Média de participantes por Oficina: 20 (vinte) participantes
Média de participantes por Núcleo de Trabalho-Cooperativa: 15 (quinze) participantes

Será atribuição do corpo técnico acompanhar todas as oficinas na qualidade de coordenação ou de co-coordenação, quando da existência de oficineiro-coordenador. Este corpo especia­lizado de profissionais terá a clara atribuição técnica de leitor-interventor-facilitador da convivência dos diferentes, cuidando para que a tarefa não se esvazie de significado, perpetuando alienação. Assim como, não obstante, deverá atentar, para quando da necessidade, de ação específica junto à dinâmicas geradoras de sofrimento individual ou coletivo no grupo e efetuar intervenção direta ou indireta.

As oficinas deverão ser realizadas em duplas (técnico/oficineiro, técnico/técnico, téc­nico/voluntário).

As atividades ordinárias ocorrerão de       2ª a 6ª feira, na  maior parte dos locais, em períodos de
 08 (oito) horas diárias. Deverão ser organizados plantões, com cada 3 (três) profissionais. Por sábado ou domingo, 1 vez por mês.

Cada profissional deverá se dispor a um "plantão-final de semana" de 06 (seis) horas/bi­mensais, entretanto estes plantões deverão ocorrer com planejamento e em consonância com a característica e realidade local que justifique a importância deste investimento.

Atividades extraordinárias poderão ser propostas respeitando-se o mesmo princípio anterior de necessidade local-territorial associada a possibilidade e interesse do Cecco.

 Média de Plantões de Recepção-Acollhida:
Contando com a equipe de 08 (oito) técnicos, excluindo o coordenador, cada técni­co deverá ter em média 05 (cinco) plantões/mensais (manhã e/ou tarde).

Média de Passeios ou Atividades Externas de Socialização:
01 (um) mensal

Média de Visitas-Ações Domiciliares:
04 (quatro) ao mês (deverá ser realizada por uma dupla de profissionais. considerando a equipe de 09 (nove) profissionais).

Média de reuniões:
Reunião de Equipe: 01 semanal/4 horas duração Reunião de Planejamento: 01 quinzenal/2 horas duração Reunião de Supervisão - 01 quinzenal/3 horas duração

Divisão de Atividades em horas semanais por profissional universitário
Carga horária calculada por profissional - (40 horas/semanais)
15 (quinze) horas - oficinas e núcleos de trabalho - cooperativa
04 (quatro) horas - recepção - acolhida e entrevista
05 (cinco) horas - atividades dirigidas, não dirigidas e eventuais.
03 (três) horas - atividades com movimentos sociais, instituições em geral,  unida­des de saúde.
02 (duas) horas - passeios ou atividades externas de socialização
01 (uma) hora - visitas e ações domiciliares
10 (dez) horas - reuniões internas e externas, supervisão e cursos.

Portanto deverá responder ao seguinte parâmetro indicativo percentual:
24 (vinte e quatro) horas atividade interna
            60%
06 (seis) horas atividade externa      
15%
10 (dez) horas reunião/supervisão/curso       
25%



Metas em Estimativas de "Potenciais" a serem construídos
(porém condicionados a investimentos em Recursos Materiais, Humanos e Espaço Físico)
ü  Estima-se a capacidade "potencial de absorção", aproximadamente de 120 pessoas/dia utilizando o Cecco.
ü  Pesquisamos e avaliamos que a média estimada de "potencial na frequência" do mesmo usuário seja de 04 (quatro) horas/diária em 03 (três) vezes por semana.
Os usuários podem utilizar o Cecco todos os dias, pelo período que desejar.

O Cecco deverá estar aberto com atividades diariamente, não justificando seu fechamento para fins de reuniões de rotina (por exemplo).
A coordenação da Unidade e a equipe deverão se organizar a fim de, na ocorrência de reuniões que envolvam muitos componentes do Cecco, viabilizarem rodízio ou outro recurso que possibilite a continuidade do serviço prestado à população, com qualidade.


QUALIDADE DE VIDA E A CONSTRUÇÃO DE UMA ECOLOGIA DA SUBJETIVIDADE (A Utopia do Cecco)

"A Felicidade morava tão vizinha que de tolo até pensei que fosse minha"
Chico Buarque

" Nada a temer senão o correr da luta nada a fazer senão esquecer o medo abrir o peito a força de uma procura fugir as armadilhas da mata escura ... Vou descobrir o que me faz sentir eu caçador de mim"
Milton Nascimento

A vida aqui protagonizada é a vida plena em suas manifestações mais diversas, num encontro de olhares, sons, movimentos, projetos, cheiros ... uma espécie de "natureza".

A "natureza" do humano, a "natureza" do animal, a "natureza" da natureza. Naturezas que deixam de ser naturais (pré-determinadas e homogêneas) para se singularizarem diferenciadas em confronto direto com o Estabelecido.

Esta preposição de reinventar o olhar comumente lançado sobre o "conhecido-estabelecido" concorre para uma apropriação histórica do mundo e de si, e neste apropriar reorientar papéis e verdades a partir de referenciais outros, mais individuais e coletivos, pela dialética da ação, sinal inquestionável de qualidade de vida.

Portanto como manifesto de afronto aos métodos coercitivos, medicalizantes e segregadores o Centro de Convivência e Cooperativa vem de um lado possibilitar esta idiossincrasia - sinal de criatividade e individualidade, e de outro possibilitar a coletivização organizada na conquista de saberes e de poder capaz de barganhar com o mundo sua própria transformação.

Uma delicada e fina costura que dá Liga e Substrato ao surgimento de uma Ecologia da Subjetividade, que encadeada em espiral dinâmica vai operando sobre os desejos, convívio e produções; Criando uma atmosfera de cumplicidade entre todos os "tecelões desta imensa teia qualificada pelo respeito à vida; na busca de promover aos indivíduos o encontro desalienado “do que se é e de tudo que se pode ser".

Assim há que se explicitar e valorizar Os mais tímidos sinais de subversão de uma ordem disciplinadora de energia libidinal, de energia criadora, mantenedora de um status quo.

O que dizer de uma subjetividade manifestada e processada na vida de indivíduos que mesmo que temporariamente trocam:

ü  - o efeito alucinógeno de uma droga como a cola, o esmalte, o craque, pela atividade de em conjunto constituírem outras viagens com pipas, bonecos, teatro, malabarismos ... se aventurando a um autorizar-se de resgate de infância, de releitura da própria trajetória-histórica-pessoal, de dribles com a sorte para garantia de vida.
ü  - a condição de descartáveis humanos, na suposta improdutividade, nos moldes produtivos do capital, pela chance auto-concedida de produtores-criativos de ações ador­mecidas, vitais a outros indivíduos, gerando as cadeias complementares, (por exemplo através de: rodas de contos de história/coral), possibilitando manifestação de desejos e potencialidades

Tantos poderiam ser, exemplarmente, os sinais concretos de construção desta tão perseguida qualidade de vida, onde o prazer de conduzir os desejos de construção de uma "espécie" de felicidade própria em conjunto com outras espécies de felicidades alheias possam eleger a fantasia como parceira não alienígena mas antes indicadora de singularidade, sob a égide da liberdade e da solidariedade.

Um sinalizador muito caro e de valor histórico ao processo de elaboração deste arcabouço teórico-prático do sentido da convivência cooperada, foi o nascimento do CORAL -CÊNICO DA SAÚDE MENTAL. Um ensaio intersecretarial, um ensaio acima de tudo de intersubjetivi­dades que a essência do projeto diário-concretizado dos centros de convivência e cooperativas impulsionaram a partir de ideias ousadas e solitárias que consorciadas germinassem um exemplar de Cooperativa de Arte. Onde a beleza e a sonoridade ocupam partituras e cenários muito primitivos por sua característica comum e emocionantemente surpreendentes por sua singularidade em rein­ventar o agradável talvez uma espécie também comum de utopia e, consequentemente, de uma "espécie" de qualidade de vida.














RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO INTERSECRETARIAL SOBRE CULTURA, CIDADANIA E SAÚDE MENTAL
(Referente a1ª Parte do G.T. - Centro de Convivência e Cooperativa) JUSTIFICATIVA (Análise e Considerações)

PROPOSTA DE UM PROJETO DE LEI-CECCO (Texto e Anexos)

CENTRO DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA

JUSTIFICATIVA
Entendendo a questão da Saúde Mental num prisma mais globalizante, identificamos como cenário privilegiado de determinação do sofrimento mental, as más condições de vida e de trabalho, a teia de relações que se estabelecem culturalmente na promoção da discriminação, da desvalorização da expressão de subjetividade dos indivíduos, na valorização da relação de castas e perpetuação de desigualdades, e desestímulo à produção coletiva.

Observamos a difusão dos pressupostos das instituições totais, presentes na matriz de sustentação das instituições em geral, como "norteadores mor" de um processo de institucionalização, ou seja, impeditivo da expressão e do exercício de cidadania valendo-se portanto da discriminação, da marginalização, da segregação e exclusão do diferente, do "desviante", sob o parâmetro da disciplina e da norma vigente, expressos na lógica da "pseudo-verdade" das dinâmicas escolares, do acesso e assistência à saúde, das políticas de urbanização.

Portanto fazer saúde mental, pensar saúde mental, pressupõe um desmonte de estru­turas determinantes de sofrimento, exige ações múltiplas e conjugadas de vários setores governamen­tais, condição básica ao enfrentamento da cultura manicomial, a cultura de segregação que gera sofrimento, adoecimento e morte física-psíquica, sustentadas pelo pensamento eugenista impregnado na história e cultura de nosso povo.

Assim, uma Política Municipal de intervenção na área de saúde mental deverá ser implementada por uma ação intersecretarial que garanta o trabalho multidisciplinar que a tarefa exige.

Esta ação se traduziu na atuação do Grupo de Trabalho Intersecretarial "Cultura, Cidadania e Saúde Mental", constituído pela Portaria 112, de 30.03.92, pela Senhora Prefeita, composto por representante das secretarias, autarquias e empresas municipais (SMS, SME, SMC, SEME, SSO, DEPAVE, SEHAB, SEMAB, SMT, COHAB, CMTC, Guarda Metropolitana e Corpo Municipal de Voluntários) coordenado pela SMS, que realizou reflexão coletiva sobre a questão da saúde mental, buscando compatibilizar as especificidades de cada área em uma intervenção mais integrada na cidade.
Contribuindo dessa forma no processo de re-significação do conceito de saúde mental, coerente com a abrangência que se tem imprimido à noção de cidadania, cumprindo assim o poder público municipal sua tarefa educativa, em sua interlocução com o munícipe e com o servidor.

Concretizando na disponibilidade de espaços físicos, recursos humanos e materiais a viabilização, de fato, desse trabalho junto à população.

Na concretização dessas diretrizes destacamos, entre outras ações, o Centro de Convi­vência e Cooperativa que se caracteriza como um espaço alternativo-substituto, ao modelo manico­mial assistencialista, segregacionista, hegemônico em nossa cidade representado pelo Hospital Psiquiátrico.

Nos Centros de Convivência e Cooperativas são desenvolvidas atividades coletivas de cunho cultural, artístico, esportivo ou educacional com a finalidade de modificar as relações sociais e também pessoais, no cotidiano de segmentos populacionais: doentes mentais, portadores de deficiências, idosos, crianças e adolescentes de rua, portadores de necessidades especiais, num convívio direto em agrupamentos heterogêneos, juntamente com a população tida como "normal"; com vistas a uma reinserção na sociedade.

As ações de convivência através da intensificação dos contatos interpessoais de grupos diferenciados constituirão a tradução do enfrentamento à discriminação, à marginalização e à segregação, expressas, exemplarmente, em situações como: a criança abandonada, a mulher desres­peitada, o jovem desempregado, o viciado, o idoso sem sonhos e sem vez, o indivíduo sem prazer, sem possibilidades de projetos de vida, sem direito de cidadão.

Para realização deste trabalho os Centros de Conveniência e Cooperativa foram idealizados e instalados em espaços públicos (Parques, Praças, Centros Esportivos ou Desportivos e Centros Comunitário de Cohab ou Espaços que se caracterizam como públicos), corno um serviço que valorize a vocação destes espaços e amplie suas potencialidades possibilitando a população em geral a real apropriação no uso destes locais de forma organizada, crítica e criativa, assessorada pelo serviço público na facilitação de um uso amplo, na interlocução entre comunidade e suas formas de organização.

As atividades desenvolvidas integrarão necessidades diversas sistematizando-as, em propostas diárias que objetivem a construção conjunta de uma nova qualidade de vida., monitoradas responsavelmente por equipes técnicas e equipes de apoio.

Vale destacar a potencialização dos espaços externos como áreas verdes, áreas livres, quadras, ... enquanto cenário privilegiado de atividades e utilização dirigida. No entanto, deve ser considerada a necessidade de utilização de espaços existentes ou a serem construídos que viabilizem ações de convivência em salas de múltiplo uso, ateliês, galpões e quiosques, sinal circunscrito de urna intencionalidade de ação em oferta planejada, não espontaneísta, mas aberta ao uso livre e organizado de todos os interessados.

É importante ressaltar a característica das atividades enquanto expressão da necessi­dade da população usuária, enquanto resgate de sua cultura, o que vem de encontro à valorização da história e da identidade desta mesma população.

Num primeiro momento favorecendo a conveniência através da riqueza que é a linguagem artística (dança, artesanato, música, teatro, artes plásticas...), da linguagem esportiva, cultural ... (jogos de mesa, jogos de quadra, relaxamento, massagem, ... rodas de conversa, folclore local, culinária, utilização da terra, prática orientais milenares...) para, processualmente favorecer a organização destas pessoas e o seu despontar em ações cooperativas de cunho produtivo e de reinserção na economia popular.

Compatível com os princípios da não discriminação e da convivência dos diferentes, as ações cooperativas devem integrar, na produção e comercialização, indivíduos cuja sobrevivência não pode estar submetida aos princípios da avaliação de mérito e da produtividade. Tanto a produção junto a comercialização, deverão se subordinar a capacidade e limitações de cada um nas suas diferenças, sendo assim coerente com os princípios básicos do processo de convivência.

As atividades de convivência e de cooperativa se constituem dessa forma, em irradiadoras nos espaços comunitários e nas sociedade em geral, de uma nova concepção e prática de relações sociais realmente humanas, democráticas e superadoras das desigualdades.
Pela sua vocação de facilitador de relações, de promotor de convivência e estimulador de organização coletiva e valorizador de manifestações artísticas e culturais da população local, independente de sua condição social, de saúde, econômica, raça, cor, idade, sexo, religião, ..., deverá contribuir na construção de uma nova qualidade de vida.

PROPOSTAS:

Elaboração de um Projeto de Lei que cria os Centros de Convivência e Cooperativas como serviços intersecretariais idealizados para espaços públicos como Parques Municipais, Centros Esportivos, Centros Comunitários de Cohab's, Centros Desportivos Municipais, Praças ou outros espaços públicos e adequados aos princípios do projeto.

O Centro de Convivência e Cooperativa deverá se caracterizar enquanto um serviço de espaço público, no qual está inserido. Portanto será parte integrante das ações que caracterização o próprio espaço público devendo o planejamento de suas atividades estar em consonância com as necessidades e perfil da demanda da comunidade local, para a qual será referência.

Quando da existência de uma administração local, no dado espaço público, o serviço no centro de conveniência e cooperativa estará submetido a esta administração, no que diz respeito a gerenciamento geral,  -do local como um todo. Em centros comunitários da Cohab/SP esta prerrogativa não será observada. Deverá ser constituído em todos os locais, um conselho gestor no qual as secretarias envolvidas na execução local, o coordenador do Cecco, a administração do espaço, quando houver, e representantes de funcionários e usuários deliberarão sobre planejamento e avaliação das atividades a serem oferecidas, de modo a facilitar integração, ações conjuntas e garantia de acesso e participação de toda a população interessada.

Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa um serviço que objetiva fundamental­mente a ousada tarefa de reorientar valores contratuais a nível social e cultural dos considerados "diferentes, desviantes, deficientes, incapazes, perigosos ou insanos", com o restante da população considerados "adequados, sadios, produtivos, normais".

Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa um serviço que utiliza como instrumen­to de trabalho da linguagem artística, esportiva, cultural, artesanal ..., enquanto facilitadora de convivência e produções, carecendo portanto de orientação dirigida e assessoria técnica permanente.

Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa um serviço impulsionador de reflexão e questionamento de valores, estimulador da organização e desenvolvimento de potencialidades, que busca a mistura dos diferentes de forma a não favorecer "guetos".

Por ser o Centro de Convivência e Cooperativa um serviço que necessita de aparato técnico específico afim de viabilizar responsavelmente a execução e acompanhamento diário do projeto como garantia de vigilância crítica à integração dos serviços de saúde, ao desenvolvimento individual e coletivo, a convivência dos diferentes e de retaguarda técnica a situações novas em grupos heterogêneos ou não, que envolvem relações interpessoais e necessidade de suporte a momentos mais suscetíveis de crises, surtos ou dificuldades específicas.

Faz-se indiscutivelmente necessária a formação de uma equipe técnica multiprofissio­nal capacitada a orientar, dirigir, acompanhar, estimular, integrar, ou mesmo assessorar o desenvolvimento diário das ações em cada Cecco da cidade, bem como uma equipe de apoio; implicando na criação de cargos, conforme quadro de pessoal anexo (Anexo A)
Esta equipe deverá estar subordinada a um técnico de nível universitário, que desem­penhará a função de coordenação das ações do Cecco, administrando a vida funcional da equipe técnica e da equipe de apoio.


ANEXO A
QUADRO DE PESSOAL
CARGO
CATEGORIA

TOTAL CARGOS
PROVIMENTO
1992
1993(-92)
01
Coordenador (*)
SMS
19
11
02
Psicólogo
SMS
38
22
02
Terapeuta Ocupacional
SMS
38
22
02
Assistente Social
SMS
38
22
01
Fonoaudiólogo
SMS
19
11
01
Educad. em Saúde Pública
SMS
-
30
01
Auxiliar de Enfermagem
SMS
19
11
01
Agente Cultural
SMC
19
11
03
A.A.
SMC
57
33
01
Prof. Ed. Física(**)
SME
19
11
01
Prof. Ed. Artística(**)
SME
19
11
02
Vigia
SSO-SEPAVE
38
22
03
Servente
e/ou SMS e ou SEME
57
33
02
Aux. Adm. da Saúde
SMS
38
22

TOTAL PARCIAL
418
242
TOTAL GERAL CARGOS                                                                                              660

(*) Nível Universitário
(**) Estes Profissionais desenvolverão atividades educacionais, ou seja, de cunho educativo nos Cecco's, estando amparados pelos princípios vigentes no Estatuto do Magistério publicado em DOM de 27/06/92.

OBS: Deverão ser contratados oficineiros, como trabalho temporário. Pela caracterís­tica da demanda o tipo e a frequência de oficinas deve variar dando oportunidade a diversificação -indicada pelos usuários, como forma de aglutinar pessoas numa determinada tarefa. Caberá, portanto, a SMS repassar a verba a SMC para a contratação de oficineiros, ou seja, artistas, artesãos, etc ..., com aptidão e conhecimento de técnicas específicas de dança, artesanato, mímica, canto, marcenaria, cerâmica, cos­tura, conto de história, tear, grafitagem, mágica, confecção de bonecos, malabarismo, tai-chi-chuan, culinária, etc, que através da realização das oficinas de convivência, usem estas linguagens, não como curso, mas sim como instrumentos que objetivem aglutinar e coletivizar as pessoas e seus mundos internos.

Deverão ser em média 08 (oito) oficineiros por Cecco, considerando a característica local de real necessidade de cada Cecco, durante o período de no máximo 06 (seis) meses, e possível renovação, sem contanto caracterizar vínculo empregatício com o Serviço Público.


ATRIBUIÇÕES INTERSECRETARIAIS:

CABERÁ AO CORPO MUNICIPAL DE VOLUNTÁRIOS manter corpo de voluntários nos Cecco's. Para isto deverá fazer recrutamento e o cadastramento constante de voluntários junto à sociedade bem como, em trabalho conjunto com os técnicos dos Cecco's, treinar os inscritos, garantindo a avaliação e reciclagem dos mesmos, capacitando-os a lidarem com a heterogeneidade dos usuários. Cabendo ainda ao C.M.V.. o investimento em campanhas de esclarecimento e informa­ção sobre o papel dos Cecco's e dos voluntários neste serviço.

CABERÁ À GUARDA CIVIL METROPOLITANA a lotação de guardas metropolita­nos fixos nos equipamentos onde existam os serviços dos Cecco's, se responsabilizando em parceria com a S.M.S. por treinamento e reciclagem específicos de forma a atender as necessidades do serviço e da heterogeneidade de seus usuários.

Equipe técnica, equipe de apoio, agentes culturais, professores, voluntários, guarda metropolitano, etc. comporão um mesmo corpo de trabalho, uma mesma equipe com atribuições diferenciadas.

CABERÁ À COMPANHIA DE HABITAÇÃO/SP o repasse dos Centros Comunitários ou áreas para a implantação de Cecco's nos conjuntos habitacionais, cabendo às-demais Secretarias a implantação, administração e manutenção dos Cecco's.

Caberá também o investimento em campanhas de esclarecimento e informação junto aos moradores dos conjuntos habitacionais sobre a proposta e funcionamento dos Cecco's em geral.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE ABASTECIMENTO auxiliar na implan­tação e dar assistência técnica às hortas comunitárias nos Centros de Convivência e Cooperativas, ou por eles acompanhadas; através de cursos de olericultura, fornecimento de ferramentas, sementes e adubos orgânicos, sendo este último em conjunto com as administrações regionais de SAR que fornecerão transporte próprio para os locais interessados;

Compete ainda a SEMAB, estudar a possibilidade e viabilidade de colocação da produção das hortas em equipamentos municipais de abastecimento.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO contratação de 01 (um) Professor de Educação Artística e 01 (um) Professor de Educação Física para cada Cecco da cidade;

Promoção e intercâmbio entre profissionais das Unidades Escolares e dos Cecco's;
Planejamento Escolar das EMEIS/EMPG's/EDA's/ED. DE ADULTOS, que inclua a participação de alunos e docentes nas atividades dos Cecco's;
Integração direta de ações entre CAP (Centros Públicos de Apoio e Projetos) e os
Cecco's;

Discussão da questão "Convivência dos Diferentes" como tema incluído no programa curricular. Campanhas escolares de esclarecimento e discussões do serviço dos Cecco's;
Compete ainda a SME o suprimento de materiais gráficos em geral, brinquedos de estimulação e recreação e materiais de sucata diversos, a serem utilizados nas oficinas e Cooperativas.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE ESPORTES, TURISMO E LAZER viabilizar a implantação de Cecco's em alguns Centros Educacionais e Esportivos da cidade. Deverá priorizar e facilitar, entretanto, a implantação em CDM's, desde que seja de interesse comum da unidade e da comissão intersecretarial (Decreto 0126.137 de 13 de junho de 1988. Dispõe sobre Cambes Desportivos Municipais, e dá outras providências), amparados no artigo 11 deste Decreto que diz Os CDM's, inclusive os já implantados, ficam obrigados a atender os requisitos da prefeitura, previamente comunicados, quanto a utilização do imóvel, de forma a permitir o máximo aproveitamento do local e de sua capacidade de atendimento;
Compete ainda a SEME facilitar a utilização das dependências de todas as suas unidades para a realização de eventos e atividades esportivas contidas num cronograma de atividades compatibilizando com o calendário da SEME e da Unidade em questão. Como também viabilizar a divulgação das atividades dos Cecco's em todos os seus equipamentos;

Também como competência a SEME se responsabilizará pelo material de consumo específico para a prática de esportes (bolas, redes, jogos de salão, etc), devendo oferecer apoio técnico em eventos esportivos e recreativos, organizar e ministrar cursos e treinamentos sobre ginástica respiratória, recreação, estimulação, etc;

Deverá caber a SEME em parceria com SAR a manutenção da instalação dos Cecco's como parte integrante do próprio Centro Educacional e Esportivo e/ou Centro Desportivo Municipal, e a superação dos bloqueios arquitetônicos, e iniciar prioritariamente nos equipamentos onde se encontram instalados os serviços dos Cecco's;

Caberá a SEME a regulamentação de normas, regimentos internos, nos Centro Educacional e Esportivo e Centro Desportivo Municipal afim de permitir a execução de atividades tipo: festas, eventos com a comercialização de produtos, sob a supervisão de todas as secretarias envolvidas no local, afim de viabilizar as cooperativas nos Cecco's.

CABERÁ A SECRETARIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES o investimento em uma Política de transporte adaptado a portadores de necessidades especiais que facilite o acesso da população alvo dos Cecco's aos espaços da cidade, em linhas próprias conectadas com metrôs, nucleados por serviços essenciais a fim de facilitar fundamentalmente a utilização dos Cecco's pelos portadores de deficiências em geral, principalmente os deficientes físicos que utilizam cadeiras de rodas, portadores de transtorno mental, idosos ( + 50 anos), gestantes, crianças e adolescentes de rua sendo respeitado o caráter aberto destas linhas ao passageiro comum;

Cabendo ainda a SMT a constante vigilância e investimento em campanhas de escla­recimento de uso e objetivo das linhas.

CABERÁ, À COMPANHIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES COLETIVOS a opera­cionalização de transporte adaptado aos portadores de necessidades especiais que deverão ter no serviço Cecco's um de seus principais nucleadores de itinerário e funcionamento;

Cabendo também à CMTC em parceria com a SMS, o investimento em treinamento e capacitação constante de seus motoristas e cobradores, devendo contratar monitores para cada carro com o papel de auxiliar embarque, desembarque, ciceronear o trajeto, funcionando como guia de informações e esclarecimentos de questões da ordem operacional e dos serviços ao qual este transporte acessa, principalmente esclarecendo e informando sobre o funcionamento e objetivo dos Cecco's e dos Centros Públicos de Apoio e Projetos (CAP-SME);

Caberá ainda à CMTC o investimento em campanhas periódicas sobre a questão dos portadores de necessidades especiais, o papel do transporte especial e o serviço dos Cecco's em seu jornal do ônibus e/ou em outros instrumentos disponíveis para este fim, principalmente em pontos de parada de ônibus.

CABERÁ À COMPANHIA DE ENGENHARIA E TRÁFEGO viabilizar sinalização na cidade através de plaqueteamento de modo a possibilitar o conhecimento e acesso aos Cecco's de todos os interessados e promover junto as Escolinhas de Trânsito e ao Projeto Vivencial  de Trânsito e inclusão de esclarecimentos sobre o serviço Cecco e o transporte especial que o atende;

Cabendo ainda à CET um estudo diagnóstico, nas imediações de cada Cecco, a fim de verificar adequação de semáforos, travessias, sinalizações gerais, etc. e viabilização prioritária com relação à reformulação e adaptação.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO a viabilização de integra­ção de suas equipes técnicas de Habi-Regionais às equipes técnicas multiprofissionais dos Cecco's nos trabalhos junto à população de abrangência destes serviços afim de facilitarem ações conjuntas a nível externo ou interno aos Cecco's;
Cabendo ainda à SEHAB o investimento em processos de esclarecimento e informação junto aos mutirões de habitação sobre os serviços dos Cecco's e a importância do espaço de convivência e de cooperativa para toda a população, principalmente aqueles segmentos mais marginalizados por suas diferenças expressadas na idade, na condição de saúde ou capacidade produtiva.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA a contratação e provimento de 01 (um) agente cultural que terá como atribuição no trabalho comunitário a pesquisa sobre cultura local e a organização de eventos artísticos e atividades culturais em geral, planejadas conjuntamente; e 03 (três) A.A. (de arte, música, teatro) para serem lotados em cada Cecco, compondo a equipe técnica;

A SMC deverá possibilitar a integração dos Cecco's com as casas de cultura favorecen­do um mesmo fluxo e infra-estrutura para efetivação regular de ciclos de vídeos, eventos artísticos e atividades culturais em geral planejados em conjunto;

Caberá também a parceria com a SMS no que se refere a contratação de oficineiros onde a SMS repassará recurso, executará escolha e SMC efetuará contratação;

Caberá ainda a SMC viabilização de participação e integração dos portadores de necessidades especiais em seus equipamentos (casas de cultura, bibliotecas, teatros, etc), como também o investimento em campanhas de esclarecimentos, informação e divulgação sobre os serviços dos Cecco's. como também deverá caber aos setores de SMC ao qual competem a pesquisa, acompanhamento e registro, estudos da importância dos Cecco's no resgate da identidade histórico-cultural dos seus usuários em geral.

CABERÁ À SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE a coordenação do Centro de Convivência e Cooperativa;

Caberá ainda a SMS a contratação e provimento, para cada um dos Cecco's, de equipe técnica composta por Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, Assistentes Sociais, Fonoaudiólogos, Educador em Saúde Pública, Auxiliar de Enfermagem e de um profissional nível universitário para o papel de coordenação do serviço;

Deverá caber também a SMS o investimento em reciclagem e supervisão destas equipes a nível programático e institucional-relacional, como também a viabilização de integração de refe­rência e contra-referência dos equipamentos de saúde mental e de saúde geral com os Cecco's;

Caberá a SMS o suprimento de todo material administrativo e de material de consumo, e de uso nas oficinas, exceto os de competência de outras secretarias;
Compete também efetuar reserva orçamentária a fim de repassar a SMC para contra­tação semestral de oficineiros para todos os Cecco's;
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Caberá ainda a SMS em parceria com SMC e SME a viabilização de campanhas de esclarecimentos e a confecção de material educativo e informativo sobre os Cecco's e a sua complementariedade de serviço ao público associada a ações de outros serviços de saúde, educação. cultura. etc.

CABERÁ À SECRETARIA DE SERVIÇOS E OBRAS - DEPARTAMENTO DE PARQUES E ÁREAS VERDES a viabilização de implantação dos serviços dos Cecco's nos parques municipais da cidade, considerando interesse da comunidade e viabilização intersecretarial;

Deverá caber a SSO-Depave favorecer a integração do serviço dos Cecco's aos serviços de educação ambiental e das equipes técnicas correspondentes;

Compete também a SSO-Depave o apoio técnico à execução de oficinas de jardinagem e a viabilização em seus espaços de hortas e jardins que possam favorecer a organização de núcleos de trabalho-cooperativas;

Compete também a SSO-Depave em parceria com a SAR das instalações dos Cecco's como parte integrante do próprio parque e a superação dos bloqueios arquitetônicos prioritariamente nos parques onde se encontram instalados os serviços dos Cecco's;

Cabendo ainda a SSO-Depave em parceria com SMS a construção ou ampliação de-espaços para Os Cecco's, quando necessário, respeitando as características ambientais dos parques, por indicação do 'Conselho Gestor (vide anexo B).















ANEXO B
ORGANOGRAMA DE FUNCIONAMENTO DO CECCO
Vem esboçado na proposta de SMS, como uma sessão técnica que define a lotação do corpo técnico e parte das atribuições:

Organograma de Funcionamento do CECCO


Composição do Conselho Gestor Tripartite ou Paritário:
ü  . administrador do local onde o Cecco está inserido
ü  . coordenador do Cecco
ü  . representante de outras secretarias existentes no local
ü  . representante dos funcionários em geral
ü  . representante dos usuários

Esta sessão técnica deverá estar ligada diretamente ao Distrito de Saúde correspon­dente à localização do equipamento público, onde o Cecco estiver inserido.

Caberá às outras Secretarias adequar às suas estruturas organizacionais a inserção do serviço Centro de Convivência e Cooperativa, para efeito de alocação de pessoal e procedimentos administrativos.

Por entender o pioneirismo deste trabalho em âmbito intersecretarial e a delicadeza da proposta de integração dos diferentes para o exercício de cidadania, justifica-se o cuidado no acompanhamento continuado e intersecretarial, na vigilância por um bom resultado.

Portanto deverá ser criada uma Comissão Intersecretarial de Centro de Convivência e Cooperativa formada por 01 (um) representante de cada secretaria, empresa ou autarquia envolvida. representantes de movimentos sociais, de usuários, de trabalhadores dos Cecco's de forma paritária  com as seguintes funções:

ü  - acompanhar implantação de novos Cecco's;
ü  - supervisionar o processo diário do trabalho e o cumprimento das diretrizes;
ü  -assessorar nas dificuldades programáticas e relacionais das equipes;
ü  - garantir a efetivação intersecretarial do serviço;
ü  - acompanhar o cumprimento no disposto na Lei, coordenar e participar de uma pesquisa e estudo da resolutividade e abrangência do serviço dos Cecco's junto à população alvo e a repercussão e contribuição junto à população geral, no que se refere aos objetivos básicos do serviço.

Esta comissão deverá realizar:

ü  - reuniões periódicas de planejamento e avaliação;
ü  - visitas ordinárias aos serviços agrupados por zonas-pontos cardeais da cidade a saber: (Norte/Sul/Leste/Oeste/Centro)
ü  - encontros bimensais da comissão com os coordenadores dos equipamentos e seus distritos de saúde;
ü  - seminários promovidos intersecretarialmente, sobre centros de convivência e cooperativas
ü  - A Comissão Paritária Intersecretarial deverá estar sob a coordenação da SMS

DIMENSIONAMENTO DO MÍNIMO ESPAÇO FÍSICO NECESSÁRIO AOS CECCO'S
01 sala para Equipe e Administração;
01 cozinha comunitária;
01 salão grande para atividades múltiplas (dança, teatro, música, exposições, etc);
02 salas de convivência (biblioteca, leitura, vídeo, sala de estar com almofadas ...);
01 sala de múltiplo uso (oficinas, atendimento individual, grupal, ...);
01 quartinho para almoxarifado;
02 banheiros (01 adaptado e com chuveiro);
01 galpão para cooperativa (marcenaria, cerâmica, silkscreen ...);
02 quiosques grandes semiabertos para ateliê de artes, artesanato, tear ...;
01 forno de barro;
01 mesa de alvenaria (oval e grande bancos de alvenaria em torno desta ao ar livre)
Espaços pequenos/médios e/ou grandes para o desenvolvimento de hortas e jardinagem




























Anexo C
GRUPO DE TRABALHO INTERSECRETARIAL
"CULTURA, CIDADANIA E SAÚDE MENTAL"

PROJETO: CENTRO DE CONVIVÊNCIA E COOPERATIVA

PROPOSTA DE POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO DE PESSOAL

No transcorrer da História, o tema da Saúde Mental foi, inicialmente, objeto de reflexão da área da Filosofia, passando pouco a pouco a ser apropriado pela área médica. No entanto foram se desenvolvendo estudos que indicaram a influência recíproca do meio ambiente, arquitetura, alimentação, cultura, educação, saúde física, etc. em relação à saúde mental. Assim, na visão holística do ser humano, a saúde mental só pode ser investigada como uma questão interdisciplinar, na medida em que exige a contribuição de todas as áreas do conhecimento para seu enfrentamento. O conceito norteador desta nova postura é a visão anti-cartesiana que considera corpo e alma como uma coisa só, constituindo ambos um organismo global.

Portanto, uma política municipal de intervenção nessa área deve ser implementada por uma ação intersecretarial que garanta o trabalho multidisciplinar que a tarefa exige. Os Cecco's entre outros, constituem-se dessa forma, em um espaço alternativo de convivência dos diferentes que com objetivo de combater a discriminação, segregação e marginalização de grupos sociais com maior risco de institucionalização, busca responder a este desafio.

Instalados em Parques Públicos, Centros Esportivos e Desportivos Municipais, Praças, Centros Comunitários "pretendem, através de atividades coletivas de cunho cultural, artístico, espor­tivo, educacional etc., modificar qualitativamente as relações sociais através da apropriação da coisa pública pela comunidade, pelas pessoas consideradas normais ou não, enquanto sujeitos autônomos de um processo singular num espaço de convivência". Para tanto, conta com uma equipe multiprofis­sional composta por Psicólogo, Assistente Social, Terapeuta Ocupacional, Fonoaudiólogo, Educador em Saúde Pública, Auxiliar de Enfermagem, Professor de Educação Artística e Educação Física, (da Secretaria Municipal da Educação), Oficineiros e Agente Cultural (da Secretaria Municipal da Cultura) e monitores voluntários da própria comunidade.

Envolve, portanto direta e indiretamente, por sua natureza intersecretarial, profissio­nais não tradicionais à área de Saúde.

Justifica-se assim, a criação de um programa especial de formação profissional que oriente a atuação desses servidores em consonância com o novo significado que o conceito e as práticas em saúde mental vêm assumindo e que se explicitam na política traçada pela SMS, para a área. Essa tarefa educativa, por sua complexidade, exige a ação conjunta dos R.H. de cada Secretaria envolvida, cabendo ao R.H. da Secretaria da Saúde papel de destaque na execução do mesmo. Os primeiros subsidiarão o trabalho de planejamento do programa, com o conhecimento que detêm acerca da especificidade dos servidores envolvidos. Ao R.H. da Saúde delega-se a responsabilidade pela implementação tendo em vista sua estrutura descentralizada já se encontrar consolidada nas administrações regionais de Saúde e ainda pela competência técnica de que dispõe para formação nessa área.

Tendo em vista, Os vários níveis gerenciais implicados nesse projeto, o programa deverá contemplar ainda, um espaço especial para formação gerencial que, problematizando as várias alternativas de organização do trabalho, contribua para o equacionamento daquela que seja a mais adequada para uma ação intersecretarial, redundando em relações de trabalho que se caracterizem pela integração entre o vários projetos específicos de cada secretaria e o Projeto Cecco. O objetivo é que, do vigia ao técnico especializado, todos se percebam como sujeitos do processo de trabalho, responsáveis pelo sucesso ou fracasso do mesmo.

Aos R.H. das secretarias, caberá ainda o engajamento em campanhas sociais de sensibilização e informação, especialmente no que se refere aos funcionários municipais. Na quali­dade de servidores e munícipes, constituem-se em público privilegiado tanto no acesso à informação como enquanto usuário dos recursos municipais. Exemplo bem sucedido de servidores-usuários, têm sido as experiências que vêm sendo realizados pela SMS, através das equipes de Saúde Mental, com funcionários municipais alcoolistas. São parceiros, por excelência, dos R.H. nesse trabalho, a CIPA, através de suas comissões internas de prevenção de acidentes.

Sugestão de temas para o Programa de formação profissional:

- Saúde x Doença - Qual o limite?
- A cultura manicomial
- O direito à cidadania e à diferença
- Visão holística do ser humano
- O significado de um trabalho intersecretarial
- O trabalho em co-gestão
- Relações de trabalho nas equipes multi-profissionais











2 comentários:

  1. silvana reis vicentin12 de junho de 2012 às 09:35

    Regina

    Parabéns pelo trabalho de digitar todo o documento.
    Vamos divulgar a todos os trabalhadores de Ceccos!!!

    Um grande abraço

    Silvana Reis Vicentin

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    1. Oi Silvana, agora já esta editado também em PDF para quem quiser ter ele para imprimir no link https://docs.google.com/open?id=0B_iWKTlL-YSqQXZrTkE4YnFBa3M
      Abraços

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